Prefeitura deve R$ 73 mi, não nega e paga quando puder

30/03/2016 15:44:00

Por ser último ano de mandato, Dárcy Vera tem de entregar caixa em dia para não ser penalizada pela LRF

Weber Sian / A Cidade
"É necessário repensar o pacto federativo. A maioria dos municípios vê as despesas aumentarem em ritmo mais acelerado que as receitas" - Sérgio Nalini, secretário da Fazenda (Foto: Weber Sian / A Cidade)

Com o futuro político em jogo, a prefeita Dárcy Vera (PSD) tem oito meses para solucionar uma dívida de R$ 73 milhões de contas vencidas da prefeitura com fornecedores. Por ser seu último ano de mandato, ela precisa entregar o caixa em dia para o sucessor. Caso contrário, pode ficar inelegível por oito anos.

Integrantes do governo ouvidos pelo A Cidade assumem a preocupação em como solucionar o caixa.

Entretanto, em nota oficial, a prefeitura se esquivou de oito questionamentos da reportagem, não soube informar o cronograma de pagamentos e sequer garantiu que a dívida será paga.

Em 30 de novembro, a dívida era de R$ 122,9 milhões com fornecedores. Em quatro meses, o valor foi reduzido em R$ 49,9 milhões. segundo dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação. Isso só foi possível devido a arrecadação maior no começo do ano, principalmente do IPTU e IPVA - janeiro, em média, arrecada o dobro do restante dos meses.

“Mas a tendência para os próximos meses é de elevação da dívida de curto prazo e consequente aumento da inadimplência com os fornecedores”, alerta o especialista em administração pública Marco Aurélio Damião. Segundo ele, “a maior parte da dívida de curto prazo não será quitada até o final desse exercício financeiro”.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pune o gestor que, nos últimos oito meses de mantado, contrair mais dívidas do que pode pagar. A legislação não obriga, porém, o prefeito a deixar o caixa totalmente no azul.

Já o Tribunal de Contas do Estado analisa cada caso, mas a orientação é que não haja dívidas descobertas (ler análise).

Prefeitura deve a 202 fornecedores

Em 21 de março, a prefeitura estava com pagamentos atrasados para 202 fornecedores. Apesar de menor do que em 30 de novembro, quando devia para 368 fornecedores, especialistas alertam que o montante ainda é expressivo.

“O atraso no pagamento das dívidas se torna uma bola de neve, e com isso os fornecedores deixam de participar de licitações para contratar com o poder público”, explica Gustavo Bugalho, advogado e consultor especialista em administração pública.

Este ano, o orçamento da administração direta da prefeitura é de R$ 2,1 bilhões - montante que inclui desde a folha de pagamento (R$ 1,7 bilhão) a gastos obrigatórios com saúde e educação.

Assim, o valor da dívida com fornecedores representa 3,3% do total do orçamento. “É um montante alto, mas está dentro da média dos municípios brasileiros, que estão passando por um momento crítico de queda de receitas”, diz Bugalho, ressaltando também falhas de planejamento.

As dívidas prejudicam, diretamente, os fornecedores. “Atrapalha nosso cronograma de investimentos de médio prazo”, explica Marcelo Di Bonifácio, superintendente da Santa Casa, que tem R$ 1,5 milhão a receber. O valor, porém, era R$ 1 milhão maior no início do mês.

Arte / A Cidade

Análise>>>Regra é não deixar dívidas descobertas

Para fins do artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a prefeitura pode até terminar o ano deficitária, desde que em 31 de dezembro a diferença entre a reserva de caixa e a dívida de curto prazo não seja mais negativa do que a verificada em 31 de abril [período dos últimos dois quadrimestres]. Se isso não for atendido, haverá reprovação automática das contas e o gestor poderá responder por improbidade administrativa. A regra do Tribunal de Contas, porém, é que ao final do último ano de mandato toda a dívida de curto prazo esteja sanada ou, então, com disponibilidade em caixa e previsão orçamentária. Não há um montante ou percentual aceitável de dívidas, o Tribunal irá analisar qual era o montante da dívida flutuante quando o gestor assumiu e como está a situação que ele deixou.

Flávio Henrique Pastre, diretor da unidade regional de Ribeirão Preto do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

Coderp vê dívida crescer

A dívida da prefeitura com a Coderp, controlada justamente pelo Executivo, passou de R$ 7,8 milhões em 30 de novembro de 2015 para R$ 13,6 milhões em 21 de março deste ano.

“Estamos tratando dessa dívida com o governo, verificando o melhor acordo para ambos”, diz Marco Antonio dos Santos, superintendente da Coderp.

Ele afirma que, apesar da dívida, a Coderp não prevê interromper nenhum serviço - a companhia é responsável, principalmente, pelo gerencimento dos bancos de dados da prefeitura. “Mas esse déficit está impactando diretamente na nossa capacidade de investimento”, ressalta.

A Estre é a empresa com maior valor a receber da prefeitura: R$ 36,7 milhões. Ela não quis se posicionar.

Dívidas crescem mais que receitas

Em entrevista por telefone ao A Cidade, o secretário da Fazenda, Sérgio Nalini, ressaltou que as despesas dos municípios crescem em ritmo mais acelerado que o das receitas. “É necessário repensar o pacto federativo” explica.

Segundo ele, os funcionários da Fazenda travam uma batalha diária para conseguir encerrar o mês no azul. “Um de nosso focos é o setor de cobranças para aumentar a receita”.

Sobre a dívida de R$ 73 milhões com fornecedores, ele diz que sua equipe está realizando um estudo para viabilizar o pagamento.

Por meio da assessoria de imprensa, o A Cidade fez oito questionamentos à prefeitura, abordando: redução de R$ 49,9 milhões da dívida com fornecedores em quatro meses, previsão de conseguir zerar o saldo devedor até dezembro, motivo de R$ 17 milhões da dívida com o IPM terem “desaparecido” entre dezembro e março, dívida superior a R$ 36 milhões com a empresa Estre, queda de arrecadação a partir do segundo quadrimestre, cronograma de abatimento da dívida com fornecedores, planejamento de investimentos e valor do saldo em caixa.

Nenhum dos itens foi respondido. “É determinação da prefeita que todos os setores otimizem custos, priorizem investimentos, reduzam despesas e trabalhem para oferecer serviços de qualidade para a população”, diz a nota.

Dívida fundada

Integrantes da prefeitura já cogitam transformar parte da dívida de curto prazo com fornecedores em dívida fundada, em que o prazo de pagamento é parcelado e superior a 12 meses. O mesmo já foi feito com as dívidas de R$ 17,5 milhões junto ao IPM, que foram parceladas em cinco anos. A prefeitura, porém, estuda como driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que também impõe restrições para contração de novas dívidas nos últimos dois quadrimestres do último mandato.



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