Câmara de Ribeirão Preto tem mais CPIs do que vereadores

25/11/2016 14:48:00

Especialista afirma que parlamentares 'brincam com a democracia' e provocam descrença

Mastrangelo Reino / A Cidade
Comissão que apura as condições da saúde pública em Ribeirão Preto foi instalada pela Câmara de Vereadores em junho deste ano (Foto: Mastrangelo Reino / A Cidade)

 

A principal ferramenta de investigação do Legislativo não cumpre sua finalidade na Câmara de Ribeirão Preto. A afirmação, feita por um especialista ouvido pelo A Cidade, refere-se ao número de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) abertas e a forma como estão tramitando.

Com 19 vereadores atualmente, sendo seis suplentes, a Câmara coleciona 20 CPIs. O problema é que faltando menos de um mês para o recesso parlamentar e o final da legislatura, 11 CPIs sequer foram instaladas.

Em uma “canetada eleitoral” do presidente afastado Walter Gomes (PTB), a maioria delas foi aprovada em plenário, há pouco mais de três meses. A condição era que só tramitassem após as eleições, mas passados quase dois meses do primeiro turno elas seguem no papel.

Rei das CPIs

Considerado o “rei” das CPIs, o oposicionista Bertinho Scandiuzzi (PSDB) instalou nesta quinta-feira (24) uma de suas seis comissões – a da Stock Car. Ele admite que algumas vão se arrastar para 2017 e culpa os governistas.

Como os aliados do governo da prefeita Dárcy Vera (PSD) dominavam o Legislativo até agosto, a oposição viu muitas de suas propostas serem rejeitadas em plenário e pelo trâmite comum entrarem na fila. Era aí que ocorria a “manobra”. Como a base não concluía nenhuma das comissões abertas, a fila não andava.

Presidida pelo vereador afastado Capela Novas (PPS), a CPI da Dívida Ativa existe desde 2011.
Apesar de terem votado pela aprovação do pacotão em agosto, alguns vereadores agora argumentam que as CPIs “perderam o objeto” e devem ser arquivadas.

Para o cientista político Maximiliano Martin Vicente, vereadores de Ribeirão Preto “brincam com a democracia”. O especialista diz que uma suspeita de irregularidade não tem prazo de validade.

Na prática, estão tramitando a CPI do Daerp, presidida por Marcos Papa (Rede) e a CPI da Estação Catedral, comandada por Rodrigo Simões (PDT). A CPI da Saúde empacou durante a campanha eleitoral, mas seu autor, Ricardo Silva (PDT), promete retomar as reuniões em sete dias.

Arte / A Cidade

 

Só uma CPI concluída

Em três anos e meio, os vereadores que fazem oposição ao governo da prefeita Dárcy Vera (PSD) conseguiram emplacar apenas duas CPIs no Legislativo: CPI do Transporte e CPI da Saúde. As duas foram propostas pelo vereador Ricardo Silva (PDT), em momentos estratégicos, e relatadas por Marcos Papa (Rede).

Instalada e encerrada no segundo semestre de 2013, a CPI do Transporte, que investigou o cumprimento do contrato entre a Prefeitura de Ribeirão Preto e o Consórcio PróUrbano constatou 22 irregularidades. Em 2014, o Ministério Público mediou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre e a prefeitura e o consórcio, mas o documento, que ampliava prazos de investimentos, não foi homologado pelo Conselho Superior do MP e voltou à fase de inquérito.

Para vereadores, comissões perderam o objeto

A maioria dos vereadores afirma que as novas CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) perderam o objeto. É o caso do líder do bloco de oposição, vereador Paulo Modas (PROS), autor das duas CPIs que investigariam o contrato de tapa-buracos realizado pelo Daerp.

“O caso está na Justiça. O laudo pericial já concluiu que o Daerp pagou 292% a mais do que devia, ou seja, fez uma vez e pagou três. Acredito que a CPI não será mais necessária”, declarou.

O vereador Maurício Gasparini (PSDB) já pediu a extinção da CPI que propôs para apurar o atraso no repasse a hospitais e o descumprimento contratual por parte da prefeitura.

“Foi uma forma de pressionar para a prefeitura fazer o pagamento. Acredito que nesta reta final de governo não tem informações precisas, por isso decidi aguardar o novo governo abrir as gavetas”, frisou.

O tucano também pediu a extinção de duas CEEs (Comissões Especial de Estudos) que ficaram prejudicas com o afastamento de vereadores pela Operação Sevandija. “Só ficou eu”.

O que diz o Regimento?

O Regimento Interno da Câmara autoriza a tramitação de cinco CPIs ao mesmo tempo. Dentro desse limite, a comissão é automaticamente aprovada mediante requerimento com oito assinaturas. Para que outras CPIs possam funcionar, as propostas precisam ser submetidas ao plenário e receber 11 votos favoráveis.

Sete CPIs inviabilizadas

O afastamento de nove vereadores pela Operação Sevandija – Bebé (PSD), Capela Novas (PPS), Cícero Gomes (PMDB), Genivaldo Gomes (PSD), Giló (PTB), Maurílio Romano (PP), Samuel Zanferdini (PSD), Saulo Rodrigues (PRB) e Walter Gomes (PTB) - inviabilizou pelo menos sete CPIs: cinco antigas e duas novas. Sem os autores/presidentes, as comissões devem “morrer” inacabadas.

Arte / A Cidade

 

Análise>>>‘Vereadores brincam com a democracia’

Não podemos confundir o que acontece em Ribeirão Preto, que é uma exceção, com o que ocorre no Legislativo de modo geral. Em Ribeirão, brincam com a democracia. A CPI é um instrumento do Estado Democrático para investigar algo que pode estar burlando a lei. Evidentemente ela precisa ser viável. A demora pode resultar na prescrição de eventuais crimes. Em Ribeirão, alguns vereadores usam esse instrumento útil e louvável em benefício próprio. Isso provoca uma descrença total na população, uma vez que a essência da democracia é o Legislativo. E no fundo é o que a maioria dos políticos quer. CPI não condena ninguém, apenas indica, quem vota é o plenário. Aprovar um pacote de CPIs às vésperas das eleições é medida eleitoreira. É impossível conduzir uma CPI em um mês. Seria inútil no atual contexto instalar um pacote de CPIs. Esses erros da atual legislatura devem servir de exemplo para a próxima. Não existe perda de objeto. Arquivar é perdoar. A suspeita de irregularidade vai persistir enquanto não houver investigação e mesmo que o Ministério Público esteja apurando um determinado caso, é função da Câmara investigar também. O Legislativo deve dialogar e pode reforçar e complementar as investigações do MP.

Maximiliano Martin Vicente, cientista político  



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