Ribeirão conserva 'senadinhos' para amantes das eleições

18/10/2014 16:47:00

Gabriel Teixeira Neto, 99 anos, avisa: no senadinho, não tem falta de educação, só conversa na boa

F.L. Piton / A Cidade
Gabriel Teixeira Neto, 99 anos, avisa: no senadinho, não tem falta de educação, só conversa na boa. (Foto: F.L. Piton / A Cidade)

“Toda manhã a gente vem para a praça prosear. Em época de eleição, nosso assunto preferido é a política.”

A frase é do aposentado Gabriel Romão Teixeira Neto, de 99 anos. Ele e vários amigos “quase centenários” se sentam diariamente nos bancos da praça XV de Novembro, próximo à fonte luminosa, no Centro de Ribeirão Preto, para falar do Brasil.

Os “senadinhos”, locais em que o debate sobre a vida política do país ferve, são comuns em Ribeirão Preto desde a República Velha (1989-1930). Além da Praça XV, a cafeteria Única, no cruzamento das ruas São Sebastião e Alvares Cabral, no Calçadão, também é referência no assunto.

Muita história
Nascido em Uberaba-MG, Gabriel, está radicado em Ribeirão desde 1958 e completa 100 anos no próximo dia 23. Nesse período, o aposentado teve três filhos, 10 netos e 11 bisnetos. Ele se lembra da época em que o senadinho tinha um banco exclusivo na Praça XV. “Antes da última reforma, nós tínhamos um local exclusivo, mas agora sentamos nos bancos perto da fonte”, explicou.

Além de debater políticas com os amigos, Gabriel garante que vai marcar presença no segundo turno (da corrida presidencial) no dia 26 de outubro. “Votar é uma obrigação do brasileiro. Eu vou sim”, afirmou o aposentado mostrando o comprovante do voto no primeiro turno. “Votei em todas as eleições desde a vitória do presidente Getúlio Vargas [eleições diretas de 1950]”, acrescentou.

Walter Mancini, 82, é um dos amigos de prosa de Gabriel. “Eu trabalhei muitos anos como mesário-presidente nas eleições e, hoje, gosto muito de falar de política”, contou o aposentado, que vive na região central de Ribeirão Preto desde 1935. “Nosso senadinho fala de política, mas com respeito à posição de todos. Nunca brigamos. A gente tenta convencer o outro para votar no nosso candidato, mas sempre com educação”, disse Mancini.

Geraldo Américo Borges, de 77 anos, é outro que faz parte da bancada do senadinho ribeirão-pretano. “O papo aqui é muito bom. Eu venho porque a gente conversa, debate e ajuda a distrair. Vou continuar participando enquanto eu tiver saúde”, falou.

Cafeteria é ponto de encontro
A cafeteria na esquina das ruas São Sebastião com Alvares Cabral, no Calçadão de Ribeirão, tem a tradição de receber os políticos desde os tempos de Getúlio Vargas. No local, todas as manhãs, várias pessoas, a maioria aposentados, se reúnem para “politicar”.

“Discutimos vários assuntos, mas o que mais falamos é sobre política. Debatemos bastante, mas sem agressividade e com respeito”, contou Nadin Yunes, 79 anos. Natural do Líbano, Nadin mora em Ribeirão Preto desde os 5 anos. “Quero ver um Brasil cada vez melhor”, pediu.

O português Manuel Costa, 80, mora em Ribeirão desde 1953 e também frequenta o senadinho da cafeteria. “Vimos muitos políticos passarem no poder. Por isso, sabemos um pouco mais que os jovens.”

Mantendo a tradição de receber políticos, na eleição de 2014, passaram pela cafeteria o candidato a governador de São Paulo, Alexandre Padilha (PT), o candidato a vice-presidente, Aloysio Nunes (PSDB) e os principais candidatos a deputado estadual e federal.

Tradição mantida no Jardim Paulista
Com uma pitada de futebol, a tradição do senadinho vem sendo mantida por uma padaria localizada na rua Henrique Dumont, no Jardim Paulista. Lá, todas as manhãs, várias pessoas apaixonadas por futebol e política se encontram para os debates. Nos finais de semana, o encontro chega a reunir 50 pessoas.

“Nós falamos sobre o Botafogo e o Comercial [times de Ribeirão Preto] e sobre política local e eleições. A tradição já dura 12 anos”, contou o jornalista Luciano Neto. “O encontro começa por volta das 6h e vai até umas 8h”, explicou.

Geração antiga ajudou
Segundo o professor Antonio Vicente Golfeto, ex-vereador em Ribeirão Preto, as gerações mais velhas que, geralmente, compõem os senadinhos espalhados pela cidade gostavam mais de política.

“A tradição se criou porque era na cafeteria que começavam a se formar as opiniões. Inúmeros políticos passaram pelo café porque Ribeirão Preto é a capital do interior de São Paulo”, explicou o professor.

ANÁLISE
‘Senadinho é um espaço emblemático’

“O Senado, historicamente, é um local onde homens experientes se reúnem para tratar do destino das cidades. É emblemático que os mais velhos se unam, informalmente, para conversar sobre política. A situação também demonstra que a população não tem um local oficial que a população possa se manifestar sobre as suas necessidades. O fato do mesmo ponto, uma cafeteria no Centro, receber políticos há tanto tempo tem uma explicação: o local ocupou um lugar no imaginário dos eleitores e dos políticos. É um ritual: o político vem a Ribeirão e passa na cafeteria.” Fábio Pacano -Professor e sociólogo



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