Região de Ribeirão Preto perde 838 leitos do SUS em 20 anos

25/05/2016 14:21:00

Hoje, região tem 1,43 leito a cada 1 mil habitantes; número é menos da metade do preconizado pela OMS

Weber Sian / A Cidade
Kléber Ferreira ameaçou chamar a polícia para tentar agilizar a liberação de um leito para o filho (Foto: Weber Sian / A Cidade)

 

Hospitais da região de Ribeirão Preto perderam 838 leitos do SUS (Sistema Único de Saúde) nos últimos 20 anos. Em 1995, havia 2.712 leitos disponíveis. Em 2014, o número caiu para 1.874, na contramão do aumento da população, que ganhou 342 mil habitantes no período.

Hoje, região de Ribeirão oferece 1,43 leito a cada 1 mil habitantes. O número é menos da metade do mínimo preconizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) – 3 a 5 leitos para cada 1 mil habitantes. Em 1995, a média era de 2,85 leitos a cada grupo de mil pessoas.

Uma das explicações para essa drástica redução, segundo especialistas, é a migração dos leitos SUS para os planos de saúde e particulares. O motivo da mudança seria o baixo valor repassado aos hospitais pelo Ministério da Saúde.

Já o secretário municipal de Saúde, Stenio Miranda, atribui a queda à mudança do perfil de atendimento aos pacientes com problemas mentais e aos avanços tecnológicos da medicina.
“Casos que antes demandavam internação hoje são tratados ambulatorialmente”, explica o secretário.

O paciente Reginaldo Ferreira, 21 anos, é um dos que sentiu na pele a falta de leitos disponíveis.

Na tarde da segunda-feira (23), ele, que estava com uma grave infecção, foi obrigado a ficar internado na enfermaria da UPA 13 de Maio enquanto aguardava a liberação de uma vaga em num dos hospitais de Ribeirão.

Desesperado, o pai do jovem, Kleber Ferreira, 43 anos, ameaçava chamar a polícia para ver se agilizava a transferência do rapaz. “Desde ontem [segunda-feira, dia 23] os médicos diziam que a situação é grave. Pediram para ele ficar à espera de um leito. Hoje [terça-feira, dia 24] às 9h30 da manhã, falaram que já tinha um disponível, mas até agora nada”, afirmou nervoso às 15h50 de ontem [segunda].

Ex-secretário municipal de Saúde e especialista em saúde pública pela USP, Juan Yazlle diz que a redução de leitos pelo SUS não significa que eles deixaram de existir, somente que passaram a ser reservados para outra finalidade, como planos de saúde ou particulares.

“Os leitos se tornam deficitários, inviáveis, por causa da tabela SUS”, frisa Yazlle. Na opinião dele, essa situação tende a piorar com a crise econômica do País. “Essa situação deve se agravar nos próximos meses por conta da restrição orçamentária pelo governo de transição”.

Dados

Os dados foram compilados pela Fundação Seade com base em informações do DataSUS (Departamento de Informática do SUS). O levantamento não inclui leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Pai ameaçou chamar PM

Às 15h50 desta terça, o instrutor de trânsito Kleber Carlos Ferreira, 43 anos, ameaçava chamar a Polícia Militar para reclamar da demora da UPA de transferir o filho dele, Reginaldo, de 21 anos, para um hospital.

O paciente deu entrada na unidade na tarde de segunda-feira com uma grave infecção urinária e, desde então, aguardava um leito hospitalar para ser transferido. Segundo o pais, na manhã desta terça, por volta das 9h30, chegou a informação de que havia sido liberado um leito e que a ambulância o levaria ao hospital. “Mas até agora nada. Já chegaram e saíram mais de cinco ambulâncias neste período.” 

Kleber diz que a situação é de urgência. “Meu filho tem que ser encaminhado, ele não está bem e dizem ser algo grave. Ele sofreu um acidente e perdeu a sensibilidade do peito para baixo. E se ele pega alguma infecção aqui antes de ser transferido? Como fica a situação?”, questiona. A transferência ao hospital ocorreu por volta das 17h.

Mastrangelo Reino / A Cidade
Stênio Miranda atribui queda do número de leites ao corte de enfermarias infantis (Foto: Mastrangelo Reino / A Cidade)

 

Leitos de UTI no limite

O secretário municipal de Saúde, Stenio Miranda, diz que os leitos de UTI operam no limite em Ribeirão. “Temos preocupação se houver alguma catástrofe ambiental que exija internação de muitos pacientes”, frisa.

Segundo ele, a queda no número de leitos do SUS tem a ver com corte de leitos em enfermarias infantis. “Não há demanda”.

Cita também a política de desospitalização dos pacientes de saúde mental e o avanço tecnológico.

“Um paciente há 20 anos com úlcera de duodeno tinha que ir para cirurgia. Hoje, há um arsenal de medicamentos que o trata ambulatorialmente”.

Miranda acrescenta que a falta de leitos hospitalares hoje afeta especialmente os pacientes de saúde mental.

Estado nega queda no nº de leitos

A Secretaria de Estado da Saúde afirmou, por meio de nota, que na região de Ribeirão Preto há 2.277 leitos públicos instalados atualmente, incluindo os de UTI.

“Não houve redução nos últimos cinco anos. Pelo contrário, a pasta implantou o Hospital Estadual de Ribeirão, em 2008, e agora está investindo R$ 161 milhões em obras no Hospital das Clínicas, que ganhará 219 novos leitos, e na construção do Hospital Estadual de Serrana”.

Além disso, a pasta diz que mantém integralmente, apenas em Ribeirão, quatro hospitais estaduais, sem nenhuma contrapartida dos municípios, e auxilia voluntariamente as Santas Casas e hospitais filantrópicos da região com repasses extras.

“O aumento da oferta de leitos públicos não é exclusivo de governos estaduais, cabendo também aos municípios da região de Ribeirão e também ao governo federal”, conclui.

Infográficos / A Cidade

Infográficos / A Cidade

 

Governo Federal

O Ministério da Saúde informa que na região de Ribeirão, existem atualmente 2.389 leitos, um aumento de 7,22% em relação a 2010, quando existiam 2.228 leitos. Desse total, 1.589 são exclusivamente SUS, um aumento de 2,12% em relação a 2010, quando havia 1.556.

Sobre a espera do paciente na UPA, a Secretaria Municipal de Saúde esclarece que o paciente foi transferido para a Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas por volta das 17h desta terça.

“Enquanto o paciente está dentro da unidade de Pronto Atendimento ele está assistido pela equipe de medicos e enfermeiros. Ele passa por consultas, exames e fica em observação, podendo ficar por até 72 horas em avaliação de quadro clínico. Passado esse período o paciente pode ser internado ou não”.

Análise>>>Leitos do SUS migraram para convênios

“A redução de leitos do SUS nos hospitais não significa que esses leitos desapareceram. O número continua, mas esses leitos acabam sendo reservados para planos de saúde ou particulares porque a tabela SUS para atender determinada doença ou causa de internação é deficitária, e há um interesse dos hospitais em reservar os leitos para outra destinação porque os leitos SUS se tornaram deficitários, inviáveis. O paciente vai procurar atendimento e bater com a cara na porta e já há um prejuízo à saúde, porque a solução do problema fica adiada ao esperar liberar um leito. Há também uma sobrecarga do sistema público de saúde de casos em que os planos alegam não poder atender e depois reembolsam o SUS”.

Juan Yazlle, especialista em saúde pública pela USP



    Mais Conteúdo