Cidades da região vão de homicídios zero à epidemia de mortes banais

05/02/2016 10:17:00

Crimes passionais explodem na pacata Jaboticabal e faz homicídio subir de 2 para 9 casos em 1 ano

Matheus Urenha / A Cidade
Homicídios saltaram de 2 para 9 casos em Jaboticabal entre 2014 e 2015: crimes banais (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

 

Enquanto sete municípios da região de Ribeirão Preto passaram 2015 sem registrar nenhum assassinato, Jaboticabal quadruplicou o número de mortes e Serrana dobrou em relação ao ano anterior. Ambas ficaram com a taxa de homicídios acima do recomendado pela ONU (Organização das Nações Unidas).

As duas cidades viveram um ano “fora da curva”, com mais mortes do que a média dos cinco anos anteriores. A apuração da Polícia Civil mostra que ela tiveram uma “epidemia da banalidade”.

Segundo o delegado de Jaboticabal, Oswaldo José da Silva, dos nove homicídios do ano passado, quatro são investigados como crimes passionais – devido a brigas entre casais ou ciúmes. Entre eles está um taxista executado com cinco tiros no terminal rodoviário, em plena luz do dia.

Em 2016, porém, a violência continuou. Já são quatro mortes. Três delas motivadas por brigas: um jovem matou o tio com uma tijolada no peito e dois homens foram esfaqueados em um bar. “São banalidades, impossíveis de evitar”, diz o vereador presidente da Comissão de Segurança, Júnior Devito (PTC).

Serrana também foi contagiada pela epidemia. Das sete mortes no ano passado, quatro a mais que 2014, três foram premeditadas – e, dessas, uma foi crime passional e outra, represália de uma morte motivada por discussão.

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Comerciante Daniele de Barros aponta local em que dois homens caíram mortos depois de serem esfaqueados por um desafeto durante uma briga em Jaboticabal (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

A lista inclui uma mulher esfaqueada em uma boate por outras garotas, um homem que morreu com uma pancada de madeira na cabeça em uma briga e um rapaz que matou o ex-sogro.

“A maioria dos crimes ocorreu dentro de casas ou estabelecimentos comerciais e envolvem o fator surpresa. Não havia indícios anteriores para que pudéssemos evitar”, explica o delegado Maurício Eduardo de Brito.

Segundo ele, a única morte relacionada à criminalidade foi a execução de um homem pelo Tribunal do Crime do PCC (Primeiro Comando da Capital).Tanto Jaboticabal quanto Serrana não registraram latrocínios – roubo seguido de morte.

Ivan Marques, coordenador do Instituto Sou da Paz, diz não ser raro que cidades que não possuem número elevado de homicídios tenham um ano com registros fora da curva histórica sem que isso signifique uma escalada da criminalidade. “Mas é necessário acompanhar esses municípios para verificar se há algum fator, além do imponderável, atuando.”

‘É impossível evitar esses crimes’

O assassinato de Janaína Sisto, de 33 anos, foi o crime que mais chocou Jaboticabal em 2015. Seu marido confessou à polícia que a esfaqueou no pescoço durante uma discussão banal e, depois, escondeu o corpo em um canavial. Ele consumiu cocaína antes do crime.

“É impossível evitar crimes dessa natureza, não estamos dentro da casa das pessoas”, diz o delegado Oswaldo da Silva.

A epidemia de homicídios banais contagiou 2016, com três mortes motivadas por brigas. Duas delas ocorreram em frente ao bar de Daniela de Barros.

“Estava tudo tranquilo, e de repente o Jhonny veio ensaguentado aqui dentro e caiu no chão pedindo ajuda. Foi um choque”, lembra.

Testemunhas disseram que um homem de 63 anos esfaqueou dois frequentadores do bar devido a brincadeiras feitas com um conhecido. O autor foi linchado e está internado.

Sertãozinho

Enquanto Jaboticabal e Serrana tiveram em 2015 um ponto fora da curva, Sertãozinho retornou a sua média dos últimos anos. Porém, isso ocorreu com o aumento de homicídios em relação a 2014, passando de 5 para 9. “O ano de 2014 foi atípico, com uma redução mortes. Não sabemos o motivo”, diz o delegado Targino Osório. Ele lembra que duas mortes de 2015 ocorreram por crime passional e uma por desavença. Mas duas pessoas também morreram executadas pelo crime organizado “Nesse caso, prendemos 16”, diz. A taxa de homicídios da cidade 7,7 a cada 100 mil está dentro do patamar aceitável pela ONU.

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Mirian Geovana Mayne, presidente da Associação Comercial, não se lembra do último homicídio (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

Luiz Antônio já esqueceu última morte

Entre os sete municípios da região que passaram 2015 livres de homicídios dolosos no ano passado, Luís Antônio é o recordista.

A última morte violenta na cidade ocorreu em novembro de 2011. “Para ser bem sincera, nem me lembro quem e como foi”, diz a presidente da Associação Comercial de Luís Antônio, Mirian Geovana dos Reis Mayne, de 41 anos - todos vividos na cidade.

Ela diz que, em relação aos homicídios, não há com o que se preocupar. “Mas o número de usuários de drogas está aumentando nas ruas”, ressalta.

Esse é, justamente, o alvo do delegado da cidade, Jorge Miguel Koury Neto. Segundo ele, as operações policiais são voltadas principalmente contra o tráfico de entorpecentes.

“A droga acaba gerando dívidas com os traficantes, furtos, roubos e brigas. Combatendo o tráfico estamos evitando homicídios em potencial”, explica.

Ele lembra que, no final de 2014, uma megaoperação com mais de 80 policiais de outras delegaciais prendeu 25 pessoas por tráfico de entorpecentes na cidade.

O especialista em segurança Ivan Marques ressalta, ainda, que cidades menores, com “unidade social”, tendem a ter menos crimes.

A propósito, Jorge lembra do último homicídio. “Foi devido a uma briga de bêbados em um bar”. O autor foi preso.

Análise>>>É preciso ver a motivação dos crimes

Cidades com universo pequeno de homicídios têm uma variação percentual alta com aumento, em números absolutos, pequeno de casos. Não é raro que cidades desse perfil tenham uma escalada de mortes em um ano e, depois, retornem à média dos anos anteriores. É necessário ver a motivação dos crimes: se foram execuções ou movidos por drogas, com sinais de aumento da violência, ou se forem resultado do imponderável, como discussões de momento. A violência é inerente a sociedade, e muitas mortes ocorrem por motivos fúteis e sem premeditação. Justamente por isso, é essencial a restrição da circulação de armas de fogo, pois 61% das mortes do País são ocasionadas por elas. Uma eventual liberação do porte, como objetivam alguns projetos no Congresso, aumentaria o número de homicídios dessa natureza. Os municípios com pouco ou nenhum homicídio costumam ter regularidade nos indicadores sociais, sem discrepância em renda e educação, por exemplo.

Ivan Marques, diretor do Instituto Sou da Paz

Arte / A Cidade

 

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