Superlotados, presídios da região têm 4,3 mil presos acima da capacidade

21/09/2018 08:08:00

Celas da Penitenciária de Serra Azul, com capacidade para 12 detentos, chegam a abrigar 40 homens

Foto ilustrativa (Foto: 3839153 / Pixabay)


Uma cela com capacidade para 12 presos na Penitenciária de Serra Azul chega a ocupar 40 pessoas. Como são apenas três jegas (beliches de concreto) em cada lado do espaço de até 12 m², os detentos se amontoam na praia (vão entre as camas) e, até, no boi (banheiro). Precisam dormir de valete (dois em cada colchonete, de lados opostos, cabeça com pé, para evitar ficar de conchinha).  

O cenário, traçado por agentes penitenciários ouvidos sob anonimato pelo A Cidade, é um retrato da superlotação das unidades prisionais da região de Ribeirão Preto que, por sua vez, são espelho da situação nacional.  

Juntas, as penitenciárias masculinas de Serra Azul (unidade 1 e 2) e Ribeirão Preto têm capacidade para 2.574 presos. Possuem, porém, 5.691 detentos, mais que o dobro. Nos Centros de Detenção Provisória (CDP) de Ribeirão Preto, Pontal e Taiúva, a realidade é semelhante: comportariam 2.280 presos, mas estão com 426 a mais.  

Computando todas as unidades acima com o Centro de Progressão Penal de Jardinópolis, a região de Ribeirão Preto tem 4.376 presos a mais do que a capacidade do sistema prisional (ver infográfico ao lado), segundo dados de setembro. O excedente representa o dobro da população de Santa Cruz da Esperança, menor município da região metropolitana.  

Causa e consequência  

Dados mais atualizados do Ministério da Justiça, relativos a junho de 2016, apontam que o Brasil tem 726,7 mil presos, praticamente o dobro do número de vagas em presídios.  

"Há um encarceramento excessivo no País. É impossível fazer gestão eficiente de um sistema prisional nesse contexto", alerta Fernando Fidalgo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Observatório Nacional do Sistema Prisional.  

Ele ressalta que quase 50% dos presos no País são provisórios (sem julgamento), que não passaram por audiência de custódia com um juiz. Um em cada quatro detentos está no presídio por tráfico de drogas, a maioria jovens negros e pobres que são a ponta do sistema de venda de entorpecentes. Agentes penitenciários relatam que as condições nas unidades são "extremas".  

"É superestressante, para o funcionário e para o preso. O dia de visita é o pior. Se a penitenciária tem o dobro de preso, a unidade terá o dobro de visitas. Para um número reduzido de funcionários. E se estoura algo?", afirma um funcionário.  

Outro diz que as penitenciárias só não "viram" (rebelião) porque "o comando [PCC] não quer". Na unidade do regime fechado de Ribeirão, em cada cela é projetada para seis presos. Muitas, porém, passam de 15. "É ruim para todo mundo".

Falta de água em Serra Azul 

O CDP de Serra Azul está esvaziado desde fevereiro do ano passado, quando o poço artesiano que abastecia a unidade parou de funcionar. Um ano e sete meses depois, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) ainda não resolveu o problema.  

Com capacidade para 856 presos, o CDP opera com um terço. São 543 vagas sobrando, já que a água não é suficiente para todos.  

Enquanto isso, os CDPs de Ribeirão Preto, Taiúva e Pontal estão superlotados. Juntos, dão abrigo para 426 presos além de sua capacidade. A conta, assim, poderia fechar se o abastecimento fosse resolvido.  "Todo mundo está revoltado. Agentes e visitas. Vira e mexe falta água", afirmou um funcionário ao A Cidade, relatando que, mesmo com capacidade mínima, a unidade ainda enfrenta problemas. 

Em nota, a SAP informou que a unidade "passa por processo de regularização no abastecimento" e que ela é "abastecida pela Penitenciária I de Serra Azul, que fica ao lado". Diz que o CDP "terá o abastecimento de água realizado através da Sabesp, a qual já concluiu a perfuração do poço e está aguardando apenas a formalização do contrato para iniciar o fornecimento". Não foi informado prazo.

É tensão nas 12 horas de plantão  

O presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (Sifuspesp), Fábio Cesar Ferreira, conhecido como Jabá, diz que a superlotação dos presídios afeta a saúde dos trabalhadores. "Temos um déficit estimado em 30% de funcionários. E 15% do nosso efetivo está afastado, a maioria por problemas psicológicos e psiquiátricos", afirmou.  

Segundo ele, no ano passado a entidade contabilizou 13 suicídios de agentes penitenciários no Estado. Em 2018, são 6 no final do mês passado, um agente de Serra Azul tirou a própria vida no dia em que retornaria ao trabalho, após 90 dias afastado. "Falta formação continuada, não temos acompanhamento psicológico. É uma categoria que sofre muito. A hora em que eles [presos] quiserem fazer rebelião, eles fazem. É tensão nas 12 horas de plantão".  

Funcionários da Penitenciária de Ribeirão Preto pediram à reportagem, para "segurança própria e dos presos", que sejam instaladas câmeras de segurança nos raios, na oficina de trabalho e nas quadras. Com capacidade para 6 presos em cada cela, algumas chegam a ter 15 na unidade. 


SAP lista investimento e expansão  

Em nota, a SAP afirmou que todas as unidades "operam dentro das normas de disciplina e segurança". Diz que, desde o início do Plano de Expansão de Unidades Prisionais, iniciado em 2011, foram criadas 20 mil novas vagas no estado, com inauguração de 26 unidades e outros 13 presídios em construção.  

A SAP ressaltou, também, que criou 8 mil novas vagas no sistema semiaberto e "investe maciçamente na adoção de penas alternativas à pena de encarceramento", com "mais de 15 mil pessoas prestando serviços à comunidade, medida essa que substitui a pena de prisão".

Diz, ainda, que desde 1997 mais de 175 mil pessoas passaram pelo "Programa de Prestação de Serviços à Comunidade" como medida alternativa ao encarceramento.

O órgão diz que "tem participado ativamente na realização de audiências de custódia, que tem colaborado de forma decisiva para reduzir o número de inclusões de pessoas presas em flagrante no sistema penitenciário" e feito parcerias para "mutirões para análise dos pedidos de progressão de regime".

Análise  

Há um excesso de presos provisórios, praticamente metade deles, que geralmente não passam por audiência de custódia e demoram muito tempo para serem julgados. Se encarcera muito, e muito mal. São presas como traficantes um conjunto de pessoas que são pequenos repassadores de drogas, jovens e negros pobres, em um contexto sem eficácia alguma para desmantelar tráfico, já que os grandes traficantes não são pegos. Esse encarceramento excessivo e sua consequente superlotação das unidades prisionais resultam em um cenário de calamidade. Péssimas condições prisionais, pessoas sendo tratadas como animais nos presídios, sem alimentação ou atendimento de saúde adequados, e sem que haja medidas efetivas de ressocialização, apenas de punição. Sem essa oportunidades de ressocialização e penas alternativas, o sistema continuará se retroalimentando.  

Fernando Fidalgo
Coordenador do Observatório Nacional do Sistema Prisional
 



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