Sobram 3,6 mil detentos nas 'cadeias' da região de Ribeirão Preto

06/02/2016 14:44:00

Número é suficiente para lotar 5 CDPs do porte do de Ribeirão e coloca presídios no 'piloto automático'

Arte / A Cidade

Todas as sete unidades prisionais da região de Ribeirão Preto estão superlotadas. Juntas, elas deveriam manter 5,5 mil presos, mas anteontem abrigavam, segundo dados oficiais, 9,2 mil pessoas, 66,5% acima da capacidade.

Os 3,6 mil detentos excedentes seriam suficientes para preencher completamente seis Centros de Detenção Provisória de Ribeirão Preto (CDPs).

Na região, a superlotação aumentou desde dezembro de 2014, quando o A Cidade mostrou que o excesso era de 3,4 mil detentos.

A organização internacional de Direitos Humanos Human Rights Watch alertou, em relatório divulgado na semana passada, que a população carcerária no Brasil está 61% acima da capacidade, “impedindo que as autoridades mantenham os controle dentro das celas”. Também há risco para a saúde dos detentos, como contágio por HIV e tuberculose. 

Especialistas são unânimes em afirmar que a situação dificulta a ressocialização dos presos, principal função do sistema prisional, além de colocar em risco a segurança deles e dos funcionários.
“Aqui dizemos que a cadeia está no piloto automático. A única coisa que evita rebelião é o crime organizado. Qualquer ordem de motim precisa ter o aval de Venceslau”, diz um funcionário da Penitenciária de Ribeirão.

Na Penitenciária de Presidente Venceslau estão os líderes de primeiro escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC).

A Penitenciária de Ribeirão tem 1,9 mil presos, praticamente o dobro da capacidade. Apesar disso, são apenas 36 agentes fazendo a segurança por turno. As celas, que comportam seis detentos, chegam a ter 20 homens. “Eles dormem na ‘praia’ (no chão) e de ‘valete’ (um ao lado do outro em posição inversa, para que os pés fiquem na cabeça do companheiro de cela) para evitar ficar de ‘conchinha’”, diz o agente.

A pior situação está na Penitenciária 1 de Serra Azul: são 1.928 mil presos, sendo que a capacidade era para 853, 126% acima da capacidade.

“Esse é um sistema que está em crise. A ressocialização não existe e a tendência é piorar”, diz o ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva.

Ele lembra que o custo médio de um presídio para 500 presos é de R$ 40 milhões, fora a manutenção e gastos com pessoal. “A conta não fecha. É necessário redefinir, de forma urgente, esse modelo”, afirma.

Cela para 8 presos tinha 28

Por ter tentado roubar um celular, José (nome fictício) ficou cerca de oito meses no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Ribeirão Preto, saindo em julho do ano passado.

Logo nos primeiros dias de cela,  diz ter vomitado ao ver que tinha restos de uma barata em sua comida. Ao longo da prisão, também achou vidro junto ao arroz.

Na primeira cela, no “Raio 1” do CDP, eram oito “burras” (suportes para os colchões) para 15 pessoas. “Os que estavam mais tempo presos ficavam no barraco (cama) e os mais novos na praia (chão)”, diz.

A situação piorou quando foi transferido para o “Raio 4”: para as mesmas oito camas, eram 28 pessoas - com um banheiro comum. “Enquanto um usava a privada, um se ensaboava e  outro se enxugava. Tudo junto”, lembra. A água era gelada.

O  pior, lembra, era o calor. “Imagina esse monte de gente dividindo 16 m²? Era muita pressão”. O governo não informa a metragem das celas por  segurança. 

Arte / A Cidade

Modelo de prisão deve ser revisto, diz especialista

O coordenador do Gecap (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados) da USP,  Claudio do Padro Amaral, diz que o objetivo do sistema prisional é evitar que o preso saia da cadeia em situação pior do que entrou. “E a superlotação prejudica a ressocialização”, afirma.

Segundo ele, falta “planejamento amplo” para que sejam aplicadas políticas penitenciárias que diminuam a população carcerária.

Ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva defende  mudanças na forma de encarceramento. “Pequenos traficantes, hoje, acabam presos sem serem grandes criminosos. Deveria haver penas alternativas”, diz.

Coordenador da Comissão de Direito Penal da OAB de Ribeirão, Ricardo Macedo faz analogia com os tamanhos das  salas de aula: “quanto mais gente, menor a ressocialização”. 

Um presídio ao mês para a demanda

Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) lembrou que o sistema prisional paulista é o maior do País  e que, em média, 300 pessoas dão entrada nas prisões todos os dias, incluindo feriados e finais de semana.

O governo ressalta que, de janeiro de  2011 a fevereiro de 2016, a população carcerária de São Paulo cresceu em 59,5 mil presos, com um aumento de 83 presos ao dia (já considerando as libertações).

A SAP diz que as novas unidades prisionais construídas tem capacidade para 800 presos e que “chega-se facilmente à conclusão de que, para atender essa demanda, seria necessária a construção de no mínimo uma unidade penal por mês, o que ainda não atenderia por completo”.

A nota ressalta que, nos últimos anos, foram criadas 16,7 mil vagas com a construção de 19 unidades e que mais 20 presídios estão em construção, além de trabalhar por penas alternativas.

A SAP garante que todas as unidades “trabalham dentro das normas de disciplina e segurança”.

Análise - Sistema atual favorece reincidência

A superlotação é o primeiro indicativo de que o sistema prisional está falido. O resultado dessa falência, no fim das contas, é a reincidência. É nos presídios que o Estado tem que aplicar medidas para que o preso seja ressocializado. Caso contrário, quem sofrerá as consequências é a sociedade, pois é nela que o preso irá transferir todo o ódio adquirido pelas más condições do sistema prisional. É, no fim das contas, um círculo vicioso, pois as unidades prisionais hoje não recuperam o indivíduo, muito pelo contrário, acabam violando seus direitos básicos como ser humano. É altamente necessário rever a atual política de encarceramento no país, adotando medidas alternativas com melhor fins socioeducativos. Sem isso, a situação só irá piorar. Anderson Romão Polverel, Coodenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Ribeirão Preto.

 



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