Fórum de Ribeirão quase foi 'fechado' na ditadura militar

23/08/2014 11:07:00

Advogado Sérgio Roxo foi ouvido ontem na Comissão da Verdade da OAB sobre o período da ditadura militar

Milena Aurea / A Cidade
Hoje professor de Direito, Sérgio Roxo comparou as prisões arbitrárias da ditadura brasileira aos presos de Guantánamo, nos Estados Unidos (Foto: Milena Aurea / A Cidade)

Ato contínuo ao golpe militar de 31 de março de 1964, o quartel localizado na rua São Sebastião, no centro de Ribeirão Preto, começou a ser preenchido com pessoas presas sem justificativa formal. Entre os principais alvos estavam advogados trabalhistas.

Indignados com as arbitrariedades, Sérgio Roxo e outros membros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) procuraram o juiz diretor do Fórum do município, Wilson José de Melo.

Por telefone, o magistrado pediu explicações ao delegado responsável pelas prisões. Ouviu, como resposta, que nada poderia ser feito, pois eram ordens do general Amaury Kruel, comandante do Exército em São Paulo.

“O juiz determinou que o Fórum deveria ser fechado, pois a Justiça já não existia mais”, lembrou Roxo em depoimento realizado ontem à tarde na Comissão da Verdade da OAB de Ribeirão Preto.

A atitude, extrema, só não foi colocada em prática porque os próprios advogados convenceram o juiz de que isso seria pior.

Um dos presos sem justificativa oficial era o advogado Said Halah, que na época trabalhava como contador para o poder público estadual.

Um inquérito policial apurava se ele era subversivo ou corrupto. “A conclusão foi que ele não era nenhum dos dois. O documento foi remetido ao governador Ademar de Barros, que leu o relatório e escreveu: ‘Ciente. Demita-se’. E, sem justificativa, Said perdeu seu emprego”, lembrou Roxo.

Ele recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão, mas os ministros deram razão ao governador.

Centralização

Outra vítima foi o estudante Sidney Torrecilha, que foi preso quando panfletava na Cava do Bosque pedindo independência do STF.

Roxo, seu advogado, pediu Habeas Corpus, mas um juiz de Ribeirão negou, dizendo que Sidney defendia criminosos, e não o STF.

Esse processo foi o único sob a Lei de Segurança Nacional a tramitar no município. Depois, todos os processos enquadrados na lei foram retirados da Justiça comum e ficaram a cargo da auditoria militar, em São Paulo.

“Essa centralização impossibilitou que o Ministério Público e os juízes locais impedissem as arbitrariedades em suas comarcas”, disse Roxo, que em 1970 tornou-se promotor e, posteriormente, procurador de Justiça.

‘Sofri mais tortura em Ribeirão do que no Dops’

A arma foi colocada na cabeça de Mario Lorenzato em 19 de novembro de 1969. Ouviu o som do gatilho apertado, mas não sentiu o disparo - o revólver estava sem bala. “Fazia a tortura psicológica”, descreve ele, hoje aos 79 anos.

Na segunda-feira passada, em depoimento à Comissão da Verdade da OAB de Ribeirão Preto, ele listou o processo de tortura do regime militar.

No quartel militar do município, primeiro passou pelas mãos dos policiais civis. Simulação de disparos de arma de fogo e espancamento eram as principais ações. Em seguida, foi entregue, no mesmo prédios, aos militares. Pau de arara e choque elétrico, em todas as partes do corpo, “inclusive nos órgãos genitais”, eram recorrentes.

“Sofri mais tortura em Ribeirão do que no Dops (Delegacia de Ordem Política e Social)”, afirma.
Lorenzato integrava, ao lado de Wanderley Caixe e Áurea Moretti, a Forças Armadas de Libertação Nacional (Faln). Ele era um dos responsáveis pelas reuniões para impressão do jornal “O Berro” no Lar Santana - que resultariam, depois, na “prisão e tortura “sádica” como define, de Madre Maurina.

Levado ao presídio de Tiradentes, em São Paulo, Lorenzato ficou mais um ano e meio preso. Hoje aposentado, ele diz não querer vingança contras os militares. Sobre a luta sua e de seus companheiros, ele garante: “valeu a pena”.



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