Ribeirão Preto joga fora 265 milhões de litros de água por dia

10/08/2017 17:53:00

Relatório do Daerp mostra que perdas na distribuição de água chegaram a 61,8% no ano passado

Weber Sian / A Cidade
Vazamento na Vila Tibério já dura oito meses, segundo moradores (Foto: Weber Sian / A Cidade)

 

Ribeirão Preto joga fora, por dia, 265 milhões de litros de água por causa de vazamentos, problemas em hidrômetros e furtos. A quantidade corresponde a 106 piscinas olímpicas de 50 metros de comprimento e daria para abastecer a cidade vizinha de Cravinhos, com 40 mil habitantes, por 24 dias.
O relatório referente a 2016, elaborado pelo Daerp (Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto), foi obtido com exclusividade por A Cidade.

No ano passado, o município produziu 154 bilhões de litros de água, mas a quantidade consumida foi quase três vezes menor, 59 bilhões de litros. Isso significa que 61,8% da água produzida foi perdida na distribuição.

Os vazamentos são os maiores vilões da perda de água em Ribeirão. Segundo o relatório, entre os 61,8% perdidos, 42% são resultantes de água que vaza em redes ou reservatórios e não chega ao consumidor final e 19,8% referem-se a problemas na medição, fraudes e furtos de água.

O Daerp, por sua vez, já começa a contra-atacar para reduzir tanto desperdício. “Iniciamos ações que permitirão a redução dessas perdas inaceitáveis. Por meio de gestão de pessoal e tecnologia, pretendemos mudar a realidade encontrada no Daerp”, anunciou Afonso Reis Duarte, superintendente da autarquia.

Diretor regional do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) e secretário executivo do Comitê da Bacia do Rio Pardo, Carlos Eduardo Alencastre defende que o único meio para reduzir as perdas é o investimento na melhoria da rede.

Reparos demorados

Segundo moradores, há extrema dificuldade do Daerp reparar com rapidez os vazamentos de água – um estímulo ao desperdício.

Um exemplo desse problema está na rua Joaquim Nabuco esquina com a Travessa Amurici, na Vila Tibério, zona Oeste de Ribeirão.

O porteiro Heber Graham Maximiano, 52, relembra que o vazamento se formou há oito meses e até agora, nada de solução. “Foi no Natal do ano passado que começou. Mesmo os vizinhos ligando umas seis vezes, até agora nada. É tanta água que brota do asfalto que não dá nem para calcular. O Daerp precisa dar o exemplo”, dispara.

O Daerp declarou que existe apenas um registro, em junho deste ano, e prometeu reparar hoje esse vazamento.

Vazamento há um ano e meio

Na rua Professor Alonso Ferraz, no Alto da Boa Vista (zona Sul), um vazamento na calçada já completou um ano e meio, segundo moradores. Até agora, nada de reparos. “Quando eu me mudei para essa casa, há um ano e meio, o vazamento já existia. Desde então já liguei mais de 15 vezes, a última vez faz um mês e meio. A calçada deve estar toda oca por baixo. Vou ficar no prejuízo para refazer o que foi destruído”, denunciou a representante comercial Márcia Ortega, 42 anos. Sobre esse caso, o Daerp declarou que há apenas um registro de reclamação, em junho deste ano, e que o reparo será feito até o final desta semana.

Paiva tem falta crônica de água

Enquanto o desperdício de água passa de 60% em Ribeirão Preto, há regiões da cidade que penam com a falta crônica do produto.

Moradora do Jardim Paiva (zona Oeste), a camareira Tatiana de Oliveira (foto), 40, declarou que, há pelo menos cinco anos, a água da rua acaba aos sábados e é preciso armazenar o líquido em um galão para conseguir lavar louça e limpar a casa.

“A caixa que eu tenho, de 500 litros, dá para tomar banho, dar descarga, mas não dá conta de tudo. Quando eu me mudei para cá, há dez anos, a situação era melhor e depois foi piorando. Sexta à noite a água começa a ir embora e volta só na madrugada de domingo”, afirmou.

O Daerp declarou que havia problemas constantes em 2014, 2015 e em menor quantidade em 2016, quando foi instalado um novo poço (Jamil Seme Cury) na região em maio.

“Em 2017, até 8 de agosto, ocorreram apenas dois registros de falta de água eventual nesta rua, um em março e outro em abril. Nesses dois meses ocorreram manutenções nos poços Laguna e Jamil Seme Cury, que atendem esta região e que podem ter provocado alguma falta de água eventual”, informou o Daerp. 

Dados eram ‘inventados’, afirmou Mantilla

Eram inventados os dados de perda de água fornecidos pelo Daerp ao Ministério das Cidades que, inclusive, serviam de base para ranking elaborado pelo Instituto Trata Brasil.

No ranking divulgado neste ano, com dados referentes a 2015, a perda apresentada pelo Daerp era de apenas 23% - quase três vezes menor da aferida pelo órgão recentemente.

Ribeirão ficou na 22ª colocação entre as 100 maiores cidades mais populosas do Brasil. Um ano antes, com dados referentes a 2014, Ribeirão ficou na 8ª colocação nacional, com 15% de perdas.

A “bomba” foi apresentada por Luiz Alberto Mantilla, ex-diretor técnico do Daerp, em delação premiada junto à Polícia Federal e ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), em setembro de 2016. Em depoimento, Mantilla declarou que “o volume de água de serviço era inventado”.

Com relação aos dados relativos a 2016, a assessoria de imprensa do Daerp declarou que as informações foram obtidas com base em dados reais, efetivamente medidos e correspondem à realidade do que ocorreu no ano anterior, na gestão passada. “Estes dados foram encaminhados ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do Ministério das Cidades”, informou o Daerp

OUTRO LADO
Medidas para reduzir as perdas

O Daerp declarou que a atual diretoria está implantando medidas de gestão que reduzam as “perdas absurdas” encontradas no sistema de abastecimento de água de Ribeirão e que inviabilizam o funcionamento adequado da autarquia. “O foco do trabalho é a redução das perdas físicas e comerciais.”

Entre as medidas estão a recuperação de poços e reservatórios e a abertura, nos próximos dias, de uma licitação que prevê a troca de 120 mil hidrômetros de um total de 191 mil equipamentos, o que asseguraria melhoria na micromedição.

“Neste ano já estão sendo analisados e testados softwares que disponibilizam informações em tempo real sobre pressão de rede, nível de reservatórios, vazamentos, fraudes, furtos, troca de hidrômetros, para a tomada de decisões e controle de todo o sistema, visando reduzir perdas”, afirmou o Daerp, por meio de nota.

ANÁLISE
‘É necessário fazer investimentos’

“Creio que agora há uma honestidade nessa informação de perdas relataas pelo Daerp. Para reduzir esse percentual acima de 60% é preciso fazer investimentos na diminuição da pressão em rede e na construção de mais reservatórios, que reduzem a pressão comparando-se quando a água é injetada direto na rede de abastecimento. Hoje há muitas perdas por causa da tubulação antiga, da alta pressão e da falta de manutenção dos reservatórios. Mesmo em uma rede nova, se a pressão da água for alta, pode haver rompimento. Outra questão importante é a troca dos hidrômetros, que têm vida útil de cinco anos. As perdas não causam somente desabastecimento. Inibem novos investimentos, já que a água não é faturada, e vira um círculo vicioso. Também provocam um uso insustentável do Aquífero Guarani e geram custos ao Daerp com energia elétrica (para retirar a água) e com cloro e flúor (para tratamento)”.

Carlos Eduardo Alencastre
Diretor regional do DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica)

 

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