Lar de idosos pede socorro em Ribeirão Preto

30/04/2016 10:51:00

Em crise financeira, entidade precisa de ajuda para dar conta de alimentar seus 38 moradores

Milena Aurea / A Cidade
Dos tempos de caminhoneiro, Plínio guarda a imagem de Nossa Senhora Aparecida; veja mais fotos na galeria  (foto: Milena Aurea / A Cidade)

 

Todos os dias, os 38 idosos do Lar do Jovem Idoso Tio João tomam café da manhã, almoçam, fazem um lanche da tarde e jantam na instituição. Nos últimos meses, no entanto, as refeições não têm sido tão fartas quanto antes.

“Parece que a crise nacional chegou aos nossos colaboradores. As doações caíram muito do ano passado para cá. Às vezes somos obrigados a substituir a carne por ovo ou sardinha, porque não é sempre que temos os 5 quilos de carne que precisamos por dia”, diz a nutricionista Camila Salandini.

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E não é só de carne que o lar precisa. Arroz, feijão e óleo também estão em falta, assim como desinfetante, sabão em pedra, detergente, fraldas, pomada para assadura, desodorante, entre outros alimentos, produtos de limpeza e produtos de higiene pessoal.

“Em dezembro, os cerca de 50 colaboradores fixos que temos doaram aproximadamente R$ 4,7 mil. Agora, as doações em dinheiro estão em torno de R$ 2,8 mil”, diz a tesoureira da instituição, Gabriela Charmillot.

Segundo ela, o gasto mensal da entidade é de cerca de R$ 50 mil e, como o lar não recebe verbas do governo, a instituição depende de doações e eventos beneficentes para sobreviver. “Temos que pagar os 16 funcionários, além dos impostos e das contas de energia e água”, observa.

O Lar do Jovem Idoso Tio João é uma entidade filantrópica sem fins lucrativos. Na maioria dos casos, as famílias pagam um salário mínimo (R$ 880) para manter os idosos ou 70% da aposentadoria dos internos é retida pela instituição.

“Qualquer doação é bem-vinda. Se for um móvel, por exemplo, vendemos e compramos mantimentos com o dinheiro arrecadado. Sem doações, o lar não funciona”, destaca a presidente, Rosângela Souza.

Fundação

A instituição foi fundada em 1976 por João Carlos Pires, mas passou a existir no papel em 2002. “Nós tínhamos uma creche aqui. Um dia, fizemos uma festa e sobrou muita comida, então levamos para uma comunidade carente. Lá, encontramos um morador de rua chamado Tonhão e o trouxemos para tomar um banho. Foi aí que tudo começou”, relata Rosângela.

Há dois anos, Tio João sentiu dores nas costas e foi internado. No hospital, ele caiu da cama e sofreu traumatismo craniano. Debilitado, acabou pegando meningite e morrendo aos 64 anos. “Até hoje acho que foi um sonho, que a qualquer momento ele vai entrar pela porta”, relata Rosângela.

DEVOÇÃO - Onde vai, Plínio carrega a imagem de Aparecida

Aos 84 anos, Plínio Nicotari ainda bate continência e marcha, lembrando-se dos tempos de Exército. “Fui policial em Minas Gerais e depois comprei um caminhão”, relata já um pouco confuso, sem lembrar datas.

Devido à carreira militar, Plínio diz que gosta de fazer exercícios e evidencia a boa forma levando as mãos em direção aos pés e mantendo a coluna reta.

Já dos tempos de caminhoneiro, Plínio guarda a imagem de Nossa Senhora Aparecida que levava no painel de seu caminhão. “Sou devoto”, conta.

Divorciado e sem filhos, Plínio chegou ao lar em 2010. “Aqui tempos comida e roupa lavada”, afirma, mostrando a camisa engomada.

E, embora os quartos do asilo sejam compartilhados, Plínio garante que isso não é um problema. “Meu companheiro de quarto é muito respeitoso. Somos uma família, a convivência é muito boa”, assegura.

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Tonico, de 74 anos, nasceu com paralisia; veja mais fotos na galeria (foto: Milena Aurea / A Cidade)

 

PARALISIA - Tonico vive no lar desde 2005

Antônio Benedito Poli, 74 anos, nasceu com paralisia e, em 2005, parou de andar. Com dificuldade
para manter o idoso, a família o levou para o Lar do Jovem Idoso Tio João.

Apesar da dificuldade de falar, Tonico, como é conhecido, diz que é bem tratado na instituição. Questionado sobre o que ele mais gosta na entidade, ele aponta para as enfermeiras.

“Boa parte dos idosos não tem família, não tem para onde ir. Eles dependem do nosso trabalho, precisam de cada centavo. Muitos, inclusive, se sentem abandonados. Eles precisam de carinho e amor também. Por isso, incentivamos as pessoas a fazer visitas aos idosos”, afirma a tesoureira do lar, Gabriela Charmillot.

Foi visitando os idosos que Gabriela se tornou voluntária da instituição. “Passei por um problema sério de saúde e prometi a mim mesma que, quando me sentisse melhor, faria trabalho voluntário”, conta.

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Maria de Lourdes Oliveira perdeu o contato com os filhos e vive no lar desde 2008; veja mais fotos na galeria (foto: Milena Aurea / A Cidade)

 

SEM OS FILHOS - Maria: ‘me acostumei a morar aqui’

Maria de Lourdes Oliveira, 74 anos, está no Lar do Jovem Idoso Tio João desde 2008, quando perdeu o movimento das pernas. “Não sei o que aconteceu, elas ficaram fracas”, relata.

A idosa conta que perdeu o contato com os dois filhos e, como o restante de sua família mora na Bahia, não recebe visitas. “Fico aqui vendo televisão”, relata.

Após oito anos na instituição, Maria de Lourdes afirma que está um pouco enjoada da comida, mas que os funcionários são muito simpáticos e educados. “Bom mesmo é a nossa casa, mas, já que não tenho mais um cantinho só meu, me acostumei a morar aqui”, diz.

De acordo com a  presidente da entidade, Rosângela Souza, o nome “Lar do Jovem Idoso Tio João” passa a ideia de que, apesar da idade avançada, eles são jovens por dentro. “O corpo já não obedece muito mais, mas a cabeça ainda funciona”, explica.

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Diabético, José recebe o tratamento para a doença na entidade; veja mais fotos na galeria (foto: Milena Aurea / A Cidade)

 

BEM-VINDO - José saiu das ruas para o asilo

José Roberto de Castro, 62 anos, é praticamente o  porteiro do Lar do Jovem Idoso Tio João. Lúcido e prestativo, ele ajuda os funcionários da instituição abrindo a porta para visitas e fornecedores.

O idoso chegou à entidade em 2013 após se divorciar, entrar em depressão e virar alcoólatra. “Eu comecei a morar na rua, ficava em uma casa abandonada no Tanquinho. Sem comer direito, eu perdi a força e cheguei ao ponto de não conseguir levantar”, conta.

Na ocasião, um amigo chamou o Samu e José Roberto foi levado ao Hospital das Clínicas. “De lá fui para o Hospital de Retaguarda Francisco de Assis e depois vim para cá. Nunca mais bebi”, relata.

Diabético, o idoso recebe o tratamento para a doença na entidade e diz que gosta de morar no lar. “Aqui tem de tudo, é uma maravilha. Mas o cardápio já não está mais tão diversificado e o fraldário, que era lotado, agora está meio vazio”, lamenta.

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