Pesquisa aponta atendimento falho para câncer de mama

09/07/2018 13:39:00

Estudo de pesquisadora da USP ouviu 631 usuárias de unidades de saúde entre os anos de 2013 e 2014

Inês Bestetti descobriu e tratou um câncer de mama em 1997, mesmo ano em que ajudou a fundar a Abraccia

Pesquisa da USP de Ribeirão Preto revelou que uma em cada três pacientes não recebeu atendimento satisfatório nas UBS (Unidades Básicas de Saúde) para o diagnóstico de câncer de mama, com a Prefeitura desrespeitando o preconizado pelo Ministério da Saúde.  

Quanto mais precoce o diagnóstico da doença, maiores as chances de cura e menos desgastante é o tratamento. Na última década, ao menos 684 mulheres com residência no município morreram em decorrência do tumor nos seios.  

Foram entrevistadas 631 usuárias de 30 unidades de saúde para a pesquisa, entre os anos de 2013 e 2014, que embasaram a tese de doutorado da pesquisadora Simone Ferreira, divulgada na semana passada pela USP.  

Levando em consideração as faixas etárias e fatores de risco, a pesquisadora diz que os parâmetros foram descumpridos, seja pela não realização do exame clínico ou mamografia ou pela periodicidade inadequada.  

"Essas mulheres deixaram de ser submetidas à vigilância adequada para o diagnóstico de eventual câncer de mama", ressalta, lembrando que a maioria é dependente do SUS e não teria meios alternativos de realizar consultas particulares.  

Metade das mulheres que estão em grupo de risco por ter caso de câncer de mama na família, por exemplo, não havia realizado exame clínico para detecção da doença nas UBS nos últimos três anos.  

Segundo ela, o principal problema está no atendimento prestado nas UBS. "É preciso ter uma reformulação dentro da atenção básica".   

Suzi Volpato, atual coordenadora do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher da Prefeitura, diz que irá analisar o estudo para verificar melhorias na rede. Mas ressalva: "A realidade, hoje, é totalmente diferente de quatro anos atrás [quando foram feitas as entrevistas]." 

Região
Simone alerta para a necessidade de ampliar as pesquisas, inclusive em municípios da região. "Se em Ribeirão Preto, que é uma cidade rica e referência em saúde, nos surpreendemos com os resultados, como será a situação nas outras cidades?".  

Pesquisa divulgada há dois meses pelo Ceper (Centro de Pesquisa em Economia Regional) apontou que, em Ribeirão Preto e região, o câncer de mama é o tumor que mais resultou em internações hospitalares entre 2008 e 2017: 5,6 mil pacientes internadas. 
 
Não acontece apenas com os vizinhos  

"Foi um desespero enorme". Inês Bestteti, 68 anos, relembra quando descobriu, em 1997, que estava com câncer de mama em estágio três, em uma gradação que vai de zero a quatro. "Eu poderia ter descoberto antes, sofrido menos no tratamento. No fundo, no fundo, não tinha ido atrás para diagnosticar. Fica de alerta para todas as mulheres: às vezes, achamos que só irá acontecer com o vizinho", diz.  

Ela realizou tratamento com sucesso e agora faz acompanhamento constante. No mesmo ano da detecção, ela e outro grupo de mulheres fundaram em Ribeirão Preto a Abraccia (Associação Brasileira de Combate ao Câncer Infantil e Adulto), entidade filantrópica que apoia pacientes e familiares.  

Hoje, são mais de 1,5 mil pacientes cadastrados boa parte mulheres com câncer de mama -, todos com tratamento do SUS, que recebem desde hospedagem a apoio psicológico.  "A mulher não pode ter medo de fazer os exames. Quanto antes a detecção, melhor", diz Inês.  

 

câncer de mama

Cautela na mamografia 

Exceto em grupos de risco ou com suspeita de câncer, o Ministério da Saúde não recomenda que mulheres com menos de 50 anos realizem mamografia. "Antes dessa idade as mamas são mais firmes e com menos gordura (densas), o que torna o exame limitado para identificar as alterações, gerando muitos resultados incorretos", afirma a pasta.  

Suzi Volpato, atual coordenadora do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher da Prefeitura, afirma que, a partir de 2014, o município reformulou sua estratégias de detecção do câncer de mama. Pelo SUS, naquele ano, foram realizadas 10.325 mamografias. Já em 2017 foram 13.168, um aumento de 27,5%, segundo dados informados por ela. } 

A coordenadora aponta que, agora, a mulher acima de 50 anos não precisa passar pela consulta de um médico na UBS para conseguir a guia para a mamografia a cada dois anos. O exame, assim, pode ser feito antes da consulta, agilizando o processo.  

Segundo ela, o estudo da USP será analisado pela secretaria para verificar quais adequações podem ser feitas na rede municipal. Ela ressalta, porém, que a pasta já promove cursos e reciclagens regularmente aos profissionais.  
 
OUTRO LADO 

Prefeitura reformulou estratégias de detecção
 
Ela afirma, também, que não há fila de espera para exames de mamografia. No Portal da Transparência da Secretaria de Saúde, consta que o tempo médio para uma mamografia é de três meses tempo considerado adequado por especialistas ouvidos pela reportagem.  

Porém, no Portal da Transparência, constam também 55 pedidos de mamografia para rastreamento que aguardam realização há, pelo menos, oito meses. Um deles foi solicitado em agosto de 2012, ou seja: há seis anos.  

Questionada sobre esses exames às 13h de quinta-feira (5), a Secretaria de Saúde não respondeu sobre o motivo da espera, alegando que o departamento de informática estava investigando.




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