Walter Gomes 'comandava' as escolinhas de futebol da prefeitura

29/04/2017 14:27:00

Planilhas apontam que ele indicava professores por meio da Atmosphera; ex-vereador tem empresa de agenciamento

Renato Lopes / Especial
Com o fim das aulas no campinho, moradores do Simioni tiveram que recorrer a uma quadra. Eles dizem que cerca de 70 faziam aulas no local (foto: Renato Lopes / Especial)

 

Autointitulado “o símbolo do esporte”, Walter Gomes (PTB), preso desde dezembro pela Operação Sevandija, se gabava de controlar as escolinhas de futebol da prefeitura. O site do ex-vereador afirma que elas atuavam em parceria com sua empresa de agenciamento de atletas, da qual um ex-diretor da Secretaria de Esportes é sócio.

Além disso, era Walter quem escolhia, por meio de apadrinhados na Atmosphera, parte dos técnicos que davam aulas às três mil crianças do projeto.

Walter Gomes diz, em seu site, que a empresa “WG Novos Talentos” possui 28 escolinhas de futebol “em parceria com a prefeitura”, e lista dias e horários de aulas em campinhos municipais iguais aos que a prefeitura divulga. O Palácio Rio Branco nega qualquer parceria.

No Ipiranga, por exemplo, moradores disseram ao A Cidade que era Walter quem bancava materiais esportivos e coletes às crianças.

A “WG Novos Talentos” é o nome fantasia da empresa “WG Projeção Desportiva e Realização de Eventos”, aberta em fevereiro de 2005 e que tem como sócio Carlos Guerra, que na gestão Dárcy Vera era comissionado como Diretor de Espostes da secretaria de Esportes da prefeitura. Guerra nega irregularidades.

Guerra era chefe direto, segundo ofício encaminhado pela prefeitura ao promotor Sebastião Sérgio da Silveira em dezembro do ano passado, de ao menos 14 funcionários terceirizados da Atmosphera quando o contrato de terceirização foi encerrado, em setembro do ano passado.

A Cidade cruzou os nomes com listas de apadrinhados na Atmosphera apreendidas na Operação Sevandija e verificou que ao menos três deles, que atuavam como monitores de futebol, aparecem como sendo indicados de Walter.

Apesar de trabalharem com a bola, Atmosphera assinava na carteira de trabalho que eram desde recepcionistas até “supervisores de projetos”.

Entre eles estão ex-atletas e técnicos e renomados de Ribeirão, como Ivair Justino dos Santos e José Gali Neto. Ambos aparecem em listas da Sevandija como indicados por Walter Gomes. Ivair treinou o clube Olé Brasil em 2015, na época em que era controlado pela “WG Novos Talentos”.

Até o técnico vice-campeão do Batatais pela Copa São Paulo de Futebol Júnior este ano, Paulo Lippi Júnior, aparece como monitor indicado por Walter Gomes. A “WG Novos Talentos” firmou, no ano passado, contrato para controlar a equipe de base do Batatais. 

Influência

No campinho municipal do Ipiranga, reduto eleitoral de Walter Gomes, crianças e líderes comunitários afirmam que as aulas de futebol só eram possíveis graças ao ex-vereador. “Aqui é do Walter Gomes”, disse um deles. Segundo eles, a escolinha existe há cerca de 14 anos, e era Walter quem custeava os coletes, materiais esportivos e a bola dos alunos. Disseram, inclusive, que era o ex-vereador quem organizava os campeonatos dos garotos. “Depois que o Walter saiu da Câmara, isso aqui ficou abandonado”, lamentou um morador. No Jardim Aeroporto, moradores disseram que foi Walter Gomes quem viabilizou o campinho há 15 anos, e que no início de 2016 as aulas da escolinha foram interrompidas. “Em setembro, na campanha eleitoral, ele veio aqui e disse que as aulas só voltariam se fosse reeleito”, afirmou Elisângela Colhau, 40 anos.

Milena Aurea / A Cidade
O ex-vereador Walter Gomes, atualmente preso em Tremembé (foto: Milena Aurea / A Cidade)

 

Prefeitura faz ‘pente-fino’

O novo secretário de Esportes, Ricardo Aguiar, afirmou que está realizando um “diagnóstico da realidade e da demanda dos bairros” para retomar o projeto das aulas de futebol nos campinhos. A Cidade apurou que a pasta está fazendo um “pente-fino” nos antigos monitores das escolinhas, para verificar quais tinham influência política. “Estamos com muita cautela neste momento”, afirmou Aguiar. Ele ressaltou que as escolinhas são muito importantes para a população, pois “fomentam o atleta e o cidadão”, mas que neste momento a pasta sofre com “quadro reduzido de profissionais”. Nos três bairros visitados pela reportagem - Ipiranga, Simioni e Jardim Aeroporto - a população elogiou todos os monitores que lá atuavam. “Eram muito esforçados, dava para ver que queriam o bem das crianças”, afirma Elisangela Calhau, do Jardim Aeroporto. A secretaria, conforme apuração da reportagem, está buscando não criminalizar os monitores que tinham apadrinhamento político, mas eram tecnicamente preparados e exerciam bom trabalho.

Aulas de 3 mil estão suspensas

As aulas que beneficiavam cerca de três mil crianças em 31 campinhos municipais estão suspensas desde o ano passado. A maioria dos locais teve as atividades interrompidas após a Operação Sevandija e o fim do contrato da Atmosphera com a prefeitura.

No Ipiranga, o matagal só não tomou conta porque os moradores fizeram vaquinha para roçar e pintar o gramado. Segundo lideranças do bairro, 120 crianças de 7 a 14 anos em situação de vulnerabilidade social eram atendidas em dois turnos às terças e quintas-feiras.

Populares disseram que, após a saída de Walter Gomes da Câmara, a periferia ficou “esquecida”, e afirmaram que era o ex-vereador quem custeava a manutenção do campinho.

No Jardim Aeroporto, 86 crianças participavam das aulas de futebol, segundo a moradora Elisângela Calhau, que era a responsável pelo controle de matrículas. “É um absurdo a prefeitura ter encerrado as atividades”, diz. Segundo ela, a paralisação ocorreu no início do ano passado, antes da Sevandija, após a secretaria de Esportes não enviar professores ao local. O campinho foi tomado por mato de um metro de altura.

Renato Lopes / Especial
Mato tomou conta de campo de futebol na zona Norte de Ribeirão Preto (foto: Renato Lopes / Especial)

 

Walter ‘arrendou’ batatais

Além de controlar parte das escolinhas municipais da prefeitura, Walter Gomes também comandava as categorias de base do clube Batatais. Ao menos é o que diz contrato assinado em abril de 2016 pelo então presidente do clube, Luiz Oliveira, com a “WG Novos Talentos”. Pela empresa, assinam Walter Gomes e o ex-diretor de Esportes da prefeitura de Ribeirão, Carlos Guerra. A Cidade obteve a íntegra do contrato, que prevê o “arrendamento das gestões da categoria de base” do Batatais. O documento diz que Walter Gomes será responsável por “toda a equipe técnica”, “gerenciamento das equipes”, “seleção e escalação de atletas” e todo o registro de jogadores junto à Federação Paulista de Futebol. Já o Batatais teria que custear alojamento, transporte, policiamento e manutenção do campo, entre outros. Os lucros dos atletas da categoria de base vendidos ficariam divididos em: 40% para Batatais, 40% para a WG Novos Talentos e 20% para o jogador. O contrato valeria até dezembro de 2016, mas seria automaticamente renovado até dezembro de 2017. André Toffetti, presidente do Batatais de julho de 2016 a janeiro de 2017, disse que assumiu já com o contrato em vigor, mas afirmou que foi o próprio clube quem fez a gestão de todos os atletas na Copa São Paulo de Futebol Júnior, na qual se sagrou vice-campeão em janeiro. “Este contrato é prejudicial ao Batatais”. A Cidade não conseguiu contato com Luiz Antonio e com o atual presidente.

Citados negam irregularidades

Ex-diretor de Esportes na prefeitura e responsável pelas Escolinhas de Futebol, Carlos Guerra, sócio de Walter Gomes, negou irregularidades. Segundo ele, a empresa “WG Novos Talentos” foi criada para atender crianças em situação de vulnerabilidade por meio do esporte. “Era um projeto social”, diz. Ele diz ter rompido com Walter e deixado a empresa ano passado, antes da Operação Sevandija, mas ainda não oficializou em cartório. Guerra negou que Walter utilizava as escolinhas da prefeitura para fins pessoais. “Era a prefeitura quem organizava, não havia nenhuma parceria com Walter”. Ele diz que a prefeitura fornecia professores e materiais, e cabia aos bairros arrumar patrocinadores para coletes. Ele alega que não tinha poder de influenciar nos funcionários contratados pela Atmosphera, que eram definidos pelo Palácio Rio Branco.

O técnico vice-campeão do sub20 pelo Batatais, Paulo Lippi Júnior, afirmou que deu aula por “seis a sete meses” para crianças na escolinha municipal Santa Cruz, e que cabe à empresa e à prefeitura explicar as contratações. A Cidade chegou a conversar com Gali por telefone e explicar o teor da reportagem. Depois, ele não atendeu mais as ligações.

Ivair Justino explicou à reportagem que foi convidado a treinar alunos das escolinhas da prefeitura a pedido de Walter, mas que não imaginava as irregularidades que depois vieram à tona na Atmosphera. “Nosso trabalho, como monitor, era sério. Não buscávamos formar atletas, e sim cidadãos. Eram garotos muito carentes.” Ele diz que as escolinhas municipais não tinham nenhuma influência de Walter. No campo do Paulistano, onde trabalhava, treinava cerca de 50 crianças. “Era um projeto social muito bacana”.

Os três foram contratados, na Atmosphera, como “supervisor de projetos” - Gali em 2013 e Lippi e Ivair em 2015. A defesa de Walter Gomes afirmou não ter conhecimento dos fatos citados na reportagem.



    Mais Conteúdo