Ex-assessor denuncia confisco de salários para 'caixinha eleitoral'

09/03/2017 14:57:00

Ex-comissionado diz que foi obrigado a entregar 25% de sua renda ao chefe de gabinete de Zanferdini

Milena Aurea / A Cidade
Ao advogado de Wagner, Zanferdini alegou não saber nem ter autorizado as contribuições (foto: Milena Aurea / A Cidade)

 

Um ex-assessor do ex-vereador Samuel Zanferdini (PSD) denuncia na Justiça e na Polícia Civil que foi obrigado, durante cinco anos atuando como comissionado na Câmara, a repassar mensalmente cerca de 25% de seu salário para uma “caixinha eleitoral”.

No processo, ele pede ressarcimento de no mínimo cem salários mínimos – equivalente a R$ 93,7 mil.
Segundo Wagner Canuto da Silva, que foi assessor parlamentar de setembro de 2011 a abril de 2015, a contribuição obrigatória era repassada em cheques ao chefe de gabinete de Zanferdini, Luis Carlos dos Santos.

Na ação, Wagner alega que Luis deixou claro que o repasse era “obrigatório”, caso contrário teria que deixar o cargo.

O advogado de Wagner, Cesar Augusto Moreira, disse ao A Cidade que mesmo após ser oficialmente exonerado, ele continuou trabalhando para Zanferdini, tanto em uma ONG do vereador quanto dentro de seu gabinete na Câmara, até setembro de 2016 e recebendo salário “por fora”.

Apesar de não ser mais registrado no Legislativo, o assessor teria mantido os repasses para Luís Carlos. Ao todo, cerca de R$ 70 mil foram repassados, na estimativa do advogado.

Cesar diz que Zanferdini negou ter autorizado os repasses ou ter ficado com o dinheiro, e afirma ter verificado que os cheques eram depositados na conta de Luís Carlos e de seu filho.

Indenização

Na Justiça, Wagner pede que Luis pague a indenização e restitua os valores depositados. Ele cita que Pryscilla Santos, assessora de Zanferdini no gabinete e filha de Luis Carlos, também recolhia os cheques da “contribuição”.

Os cheques eram de valores variados porque, segundo Wagner, o salário de assessor comissionado não era fixo devido aos benefícios. Entre eles, está a gratificação por RTI (Regime de Tempo Integral), revelado pelo A Cidade no ano passado e que dobrava os salários.

A Polícia Federal suspeita que o ex-vereador Capela Novas (PPS) também utilizava esses benefícios para abocanhar parte do salário dos funcionários.

Mesmo após a Operação Sevandija, a Câmara ainda se nega a divulgar a relação nominal de funcionários que receberam RTI no ano passado. Levantamento do A Cidade aponta que, em um único mês, R$ 646 mil foram pagos de RTI a comissionados.

Wagner pede que a Justiça analise qual o montante de dinheiro que entregou ao chefe de gabinete de Zanferdini. À Justiça, ele apresentou oito cópias de cheques cheques, no valor somado de R$ 8,5 mil.
Ele também requereu à Polícia Civil a instauração de inquérito para investigar o caso.  

Reprodução
Cópias de cheque da devolução de salário apresentados à justiça

 

Em apenas um mês, farra do RTI custou R$ 646 mil

Dos 154 comissionados que constaram na folha de pagamento da Câmara de julho do ano passado, 129 receberam RTI (Regime de Tempo Integral), gratificação que chega a dobrar os salários. Somente para esses comissionados, naquele mês a Câmara pagou R$ 646,6 mil de RTI.

O levantamento foi feito pelo A Cidade com dados obtidos na semana passada por meio da Lei de Acesso à Informação. O Legislativo, porém, informou apenas o número de matrícula dos funcionários, ocultando nomes e cargos. 

Apesar de o Supremo Tribunal Federal atestar que a divulgação dos salários nominalmente é legal, a Câmara nada na contramão e impôs sigilo à identificação.

Dos 129 funcionários que receberam RTI em julho, 108 (83%) tiveram o salário dobrado pela gratificação - que não era divulgada ao público e só veio à tona após reportagem do A Cidade em novembro do ano passado, com base em documentação da Sevandija.

Após medidas tomadas pela então presidente Gláucia Berenice (PSDB) e pelo atual presidente Rodrigo Simões (PDT), nenhum comissionado recebe mais RTI, segundo a Câmara.  

‘Ele foi coagido’, diz advogado

“Meu cliente teve que escolher o mal menor: ou perdia parte do salário ou ficava desempregado”, diz Cesar Augusto Moreira, advogado de Wagner Canuto. Na ação, eles “inocentam” Zanferdini, alegando que o “dano suportado pelo autor (Wagner), se deu, única e exclusivamente pela conduta dolosa do corréu Luís, que o coagiu”. De acordo com César, a exigência dos repasses sempre foram do chefe de gabinete, e não do vereador. Cesar diz que seu cliente não sabe se outros assessores também eram obrigados a repassar dinheiro. Sobre seu cliente ter trabalhado de abril de 2015 a setembro de 2016 na Câmara, mesmo sem ser funcionários do Legislativo, ele diz que ingressará com ação contra o Legislativo na Justiça Trabalhista.

Reprodução
Cópias de cheque da devolução de salário apresentados à justiça

 

Capela é suspeito de reter parte de salários

Essa não é a primeira vez em que assessores de vereadores denunciam o confisco irregular de salários. No ano passado, A Cidade revelou, com base em documentação apreendida na Operação Sevandija,  que Capela Novas (PPS) anotou à caneta o nome de seus funcionários ao lado de valores.

Ele escreveu, remetendo às quantias, as palavras “entra”, “falta”, “devolveu” e “deu” que, segundo relatório da PF, representariam “valores que se incorporariam aos rendimentos mensais” do vereador. 

Capela escreve, em uma das folhas, o nome de sete de seus assessores da Câmara – inclusive o de seu chefe de gabinete – e quantias que, somadas, resultam em R$ 28,1 mil.

No dia seguinte à reportagem, A Cidade ouviu dois ex-funcionários da Câmara, lotados nos gabinetes de Capela e Giló (PTB), que confirmam a farra dos salários. Eles alegam que não eram registrados na Câmara, mas trabalhavam nos gabinetes recebendo parte do salário de outros assessores. 

Silêncio entre os envolvidos

Pryscilla Santos, filha do chefe de gabinete Luis Carlos dos Santos e também assessora de Zanferdini, foi procurada pelo A Cidade anteontem e ontem.  Ela desligou o telefone após ser informada do teor da reportagem e não mais atendeu às ligações. Pryscilla também visualizou as mensagens enviadas em seu WhatsApp, mas não respondeu.

A Cidade ligou na terça-feira no celular de Zanferdini, mas ele afirmou estar em outra ligação e não mais atendeu as chamadas ontem. A reportagem também o questionou sobre as denúncias por e-mail, mas ele não respondeu a mensagem. 

 



    Mais Conteúdo