Ainda tabu na sociedade, suicídio aumenta em Ribeirão Preto

02/09/2018 10:51:00

Em 20 anos, entre 1997 e 2016, 551 moradores do município tiraram a própria vida

"Precisamos falar sobre suicídio". O alerta é de especialistas, ressaltando que o silêncio velado em relação ao tema - que ainda é cercado por tabus em desde conversas entre amigos e familiares até nas salas de aula - só prejudica a prevenção. Em Ribeirão Preto, o número de casos aumenta ano a ano, acompanhando uma tendência nacional. Entre 1997 e 2016, 551 moradores do município tiraram a própria vida.  

O levantamento foi feito pelo A Cidade nos dados mais atualizados do Ministério da Saúde na plataforma DataSUS, considerando apenas residentes em Ribeirão Preto.  

Nesse período, o maior número de casos ocorreu em 2016, com 49 mortes (ver infográfico abaixo). Tão expressivo quanto o de vítimas de acidentes de trânsito: foram 51 naquele ano, segundo a Transerp.  

Em média, um ribeirão-pretano se suicidou a cada sete dias em 2016.

Segundo o primeiro boletim do Ministério da Saúde sobre o tema, divulgado em setembro do ano passado (mês nacional de prevenção ao suicídio), entre 2011 e 2016 foram registradas 48,2 mil tentativas de suicídio no País.  

No mesmo período de 2011 a 2015, 55,6 mil pessoas tiraram a própria vida no Brasil 30 casos ao dia, em média. O montante equivale às populações de Barrinha e Brodowski somadas.

Abordagem  

"Há uma grande necessidade de falarmos sobre suicídio. Mas da forma correta", explica Kelly Giacchero Vedana, professora de Enfermagem da USP em Ribeirão e coordenadora do CEPS (Centro de Educação em Prevenção e Posvenção do Suicídio) da universidade.  

O suicídio, diz, precisa ser abordado de forma "abrangente". Ele está associado, principalmente, a transtornos mentais, como depressão. Mas não só. "Raramente é resultado de apenas uma causa, são múltiplos fatores".

Prevenção  

Estudos internacionais apontam que o suicídio pode ser prevenido na maioria dos casos. A pessoa com comportamento suicida geralmente dá sinais prévios de alerta. Um deles é o sentimento de desesperança. "Uma sensação de que não há mais saída, que a situação é impossível de melhorar", explica Kelly.  Para ajudar, a empatia é o primeiro passo. "Nem todas essas pessoas chegarão ao suicídio, mas todos precisam de atenção", ressalta.    

Francisco garante anonimato nos atendimentos do CVV (foto: Weber Sian / A Ciade)

'Acabamos usando máscaras na sociedade'

Voluntário do CVV (Centro de Valorização da Vida) de Ribeirão Preto desde 2009, Francisco Carlos Cardoso, 58 anos, chega a ouvir e dar conselhos a até 50 pessoas em cada turno de plantão de 4 horas.  

"As pessoas acabam usando máscaras na sociedade. Mas, conosco, sabem que podem ser totalmente verdadeiras. Conversando de forma franca, elas podem encontrar uma saída", conta.  

São diversos os motivos das ligações ao telefone 188 do CVV. "Desilusão amorosa, desesperança. Em datas especiais, como Dias dos Pais e Natal, a procura aumenta ainda mais. Muitos ligam dizendo que já cansaram de viver, que contam em detalhes como prepararam a própria morte. Mas, se ligaram, é porque ainda tentam se agarrar em algo para continuar vivendo".  

Os voluntários do CVV passam por curso de 11 aulas, com três horas de duração cada uma. Apesar de terem uma sede em ribeirão-preto, os atendentes recebem, por meio de uma central, ligações de todo o País.  

"Somos em 32 voluntários em Ribeirão Preto, mas nosso espaço comporta mais de 100. Precisamos muito de novos membros", ressalta Francisco. Informações sobre como participar podem se obtidas no email ribeirãopreto@cvv.org.br .

Familiares e amigos precisam de apoio  

A professora Kelly Vedana diz que, além da prevenção, é necessário ter atenção à pósvenção do suicídio. Ou seja: ajudar familiares e amigos de quem tirou a própria vida. "Existe a tendência de procurarmos culpados ou fatos isolados. Isso é errado. O suicídio é abrangente, envolve múltiplos fatores", explica Kelly. Ela ressalta que, quando algum conhecido se suicida, devemos ter "um olhar compreensivo sobre a família". O afastamento, ressalta, é a pior das atitudes. "Devemos ter empatia, dar apoio. E perguntar aos familiares: como eles querem ser apoiados?".  

Critérios  

Para esta reportagem, A Cidade seguiu as orientações do Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial de Saúde) para a cobertura jornalística de suicídio. Por conta disso, não foram abordados casos individuais, tampouco relatos de como as mortes ocorreram e em quais locais, tendo em vista que poderia incentivar novos casos. A Cidade optou, também, por não trazer relatos de familiares e amigos de pessoas que se suicidaram, para evitar exposição e, até, romantização involuntária do ato de tirar a própria vida.

Profissionais precisam ser informados

O Centro de Educação em Prevenção e Posvenção do Suicídio da USP de Ribeirão Preto realiza abordagens junto a profissionais da área da saúde, para que eles possam identificar sinais de alerta em pacientes que possam cometer suicídio, e também com estudantes de Ensino Médio, para avaliar a saúde mental dos jovens.  

"O suicídio não pode ser tabu, pois as pessoas não conseguem saber de algo que não é abordado. Por isso, precisamos trazer informações", diz Kelly Giacchero Vedana, coordenadora do Centro. 

Setembro Amarelo 

Iniciada em 2015 no Brasil, a campanha "Setembro Amarelo" foi criada para estimular a prevenção ao suicídio - assim como o Outubro Rosa busca prevenir o câncer de mama. Internacionalmente, o dia 10 de setembro é lembrado como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. A Organização Mundial de Saúde estima que, anualmente, 800 mil pessoas tirem a própria vida no mundo - 2,2 mil todos os dias. Em Ribeirão Preto, a Prefeitura realizará eventos de 14 de setembro a 4 de outubro, como palestras voltadas a profissionais da área e abertas à população.  

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