Há 4 anos, Ademir vive sem água e luz na zona Norte de Ribeirão

20/07/2014 21:25:00

Ademir Aparecido Dias se isolou por vontade própria após discutir com a mulher e morar 3 anos na rua

Lucas Mamede / Especial
Barraco de madeira foi construído às margens de córrego no bairro Orestes Lopes de Camargo; água usada para beber, cozinhar e tomar banho é retirada de nascente. Médico alerta para risco de contaminação (Foto: Lucas Mamede / Especial)

 

É num pequeno barraco de madeira e chão batido, encravado numa pequena ilha verde situada às margens do córrego Seco, na zona norte de Ribeirão Preto, que o catador de recicláveis Ademir Aparecido Dias, 45 anos, vive há quatro anos sem água encanada e sem energia elétrica.

Ao contrário do personagem Robson Cruzoé, do clássico romance do escritor inglês Daniel Defoe, que ficou ilhado 4 anos por conta de um naufrágio, Ademir se isolou por vontade própria, abrindo mão do conforto e regalias da cidade grande.

A história real é bem mais trágica. Após uma discussão com a família, Ademir, que é pai de três filhos, foi morar nas ruas. Perambulou pela cidade durante três anos, mas a vontade de ter seu próprio canto falou mais alto.

Sem condições financeiras para custear uma casa, o catador de sucatas teve a ideia de construir o próprio lar. Escolheu uma espaçosa área cercada pelas ruas Basílio Oriente e Dezolin M. B. Reis, no bairro Orestes Lopes de Carvalho. “É aqui que me escondo. Pelo menos não atrapalho a vida de ninguém”, diz.

Divide o pequeno e precário espaço de seis metros quadrados com o vira-lata Bob, seu inseparável companheiro. O espaço é exíguo, mas o suficiente para guardar os poucos objetos que tem: uma mala com roupas, alguns pares de sapato, algumas panelas e objetos que encontra no caminho de sua busca por sucata.

A cama é um colchão disposto sobre alguns tijolos. “Dá para viver. O único problema que tenho aqui são os pernilongos e o frio. Mas já me acostumei”, afirma resignado.

Lucas Mamede / Especial
Vira-lata Bob disputa peixe que dono acabou de fisgar (Foto: Lucas Mamede / Especial)

Uma mina localizada a poucos metros do barraco supre a falta de água encanada. Dali, Ademir tira água para beber, tomar banho e cozinhar, alheio aos riscos de contaminação.

A comida é sempre fresquinha, preparada no fogão de lenha que ele mesmo construiu. O cardápio é variado, mas sempre rico em legumes, alimento preferido dele que compra de um verdureiro. A mistura vem da ajuda de algum morador do bairro, ou do próprio córrego.

O catador passa horas do dia tentando fisgar algum peixe, tudo para garantir um bom prato. “Hoje deu certo. Vai ter peixe na janta. Mas não ligo, o importante é ter batata, beterraba, pepino e tudo que for legume”, brincou.

Prosa e cantoria

Bom de prosa e animado, Ademir conquistou os moradores do bairro Orestes Lopes de Camargo.

Durante o dia sempre ganha a companhia de moradores que passam rapidinho para levar algum alimento, água ou apenas para papear.

“Já me acostumei a chegar do serviço e vir aqui. Fazemos nossa roda de conversa sempre com bastante risada, ele é muito amigo”, afirma o operador de máquinas, Benedito da Silva.

Outro passatempo da vizinhança é cozinhar e cantar com o morador. “Fazemos mocotó, sopa e sempre trago violão e ficamos cantando”, revela o pedreiro Elenílson da Silva.

Ademir reconhece e agradece o carinho dos vizinhos. “Eu nunca fico sozinho, sempre estou acompanhado por Deus. Mas confesso que se não fossem os meus amigos, estaria morto”.

Fé em um futuro melhor

Nas paredes de madeira do barraco, Ademir pendurou alguns quadros que recolheu nas ruas. Dois deles com a imagem de Nossa Senhora Aparecida enchem os olhos do morador. “Ela é minha padroeira, é nela que deposito minha fé. A situação não é fácil, mas ela me ajuda a sobreviver”.

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Ademir lamenta os pernilongos e o frio que passa no inverno (Foto: Lucas Mamede / Especial)

Com problemas nas costas e no joelho, o catador de sucatas caminha devagar e com dificuldade. O principal objetivo do homem de 45 anos é conseguir a aposentadoria. “Se me aposentar minha situação vai melhorar. Com o dinheiro vou poder pagar um aluguel e ter uma casa Nunca mais vou passar frio.”

Médico alerta para os riscos de saúde

Morar tão próximo a um córrego pode causar problemas de saúde, pois existe um alto risco de infecção. O caso mais perigoso seria a contaminação por leptospirose. “Quando chove ocorre a inundação do córrego. Essa água acaba lavando as tocas dos ratos que ficam às margens do rio, isto pode levar urina contaminada”, explicou o professor Amaury Lelis, do departamento de Medicina Social da USP.

Outro perigo está na água que o catador consome, mesmo sendo de nascente e aparentar boa qualidade. “Uma mina nessa região é considerada contaminada com coliformes fecais. Mesmo que a água ao olho humano esteja limpa, na verdade não está”, alerta o médico.

Mesmo cozidos, os peixes fisgados no córrego, eles também oferecem risco a saúde do morador. “Se o peixe provém de um rio com contaminação de esgoto, mesmo fritando ou cozinhando o peixe é contaminado, o melhor é evitar”.

Procurada na última sexta-feira, a Secretaria de Assistência Social afirmou que apenas nesta segunda-feira (21) poderia dizer se assiste ou se já prestou algum tipo de atendimento ao catador de recicláveis.



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