Rede de ajuda: auxílio ao próximo é um dos grandes trunfos do ser humano

20/04/2014 19:14:00

Levar dignidade com um prato de comida ou mesmo esperança com uma palavra amiga é a missão dos centros de solidariedade

Silva Jr. / Especial
Alimentação: Hora do café da tarde (foto: Silva Jr. / Especial)

Quase 14h de uma quarta-feira quente no Centro de Ribeirão Preto. Vários rapazes, duas moças e alguns idosos protegem-se do sol sob pequenas árvores. Em grupos, conversam em voz baixa ou alta, dependendo do assunto, sem tirar os olhos do grande portão no prédio 881 da rua Barão do Amazonas. No local, funciona o Núcleo de Solidariedade Dom Helder Câmara, onde moradores de rua ou em situação de risco são recebidos de segunda a sexta-feira.

Às 14h, sem que haja atraso, o portão é aberto. Os 35 frequentadores (limite máximo de atendimento) são recebidos por cinco funcionários. Conhecedores do regulamento interno, encaminham-se diretamente para a primeira atividade do dia: banho obrigatório, sem desperdício de água. No armário individualizado, encontram sabonete e toalha.

Milton Machado de Souza, 74 anos, é um deles. Com problemas de alcoolismo, vem frequentando o Dom Helder Câmara há seis mês. Divorciado, mora num quarto alugado na área central da cidade. À tarde, além do refúgio para fugir da bebida, busca conselhos e também tratamentos com assistentes sociais e psicóloga.

A família – ele conta – é tradicional em Bonfim Paulista, onde seu pai possuía terras. Machado de Souza é articulado, fala com clareza. Divorciado, o alcoolismo surgiu depois que passou a viver sozinho. Soube que poderia ter ajuda na rua Barão do Amazonas e não se decepcionou.

“Eu passo às tardes aqui. Depois do jantar, vou para meu quarto e não saio mais. Assim, vou lutando contra o vício. Por enquanto, tenho me mantido sóbrio”, orgulha-se.

Hora de lavar roupa
Depois do banho, é hora de lavar roupa. Não é preciso pedir para que façam direito – neste aspecto, mostram capricho incomum. Cada um quer lavar melhor que o outro, cuidando para não gastar muita água.
“Aqui, a água recebe o mesmo tratamento do petróleo. Não se desperdiça”, costuma dizer o 1º secretário José Raymundo Guimarães Braga.

Aos mais rápidos, sobra tempo para folhear alguns livros na sala da modesta biblioteca. Outros barbeiam. Às vezes, alguém com habilidade se dispõe a aparar cabelos.

Welington Rodrigues de Melo, 32, tem um rastafári vistoso. É ele quem faz as vezes de barbeiro, quando alguém necessita. Welington é um velho frequentador do Dom Helder – há mais de seis anos.
“Aqui, eu estou sempre em contato com as pessoas de quem gosto, sou ajudado, bem tratado. É difícil largar a droga [crack], mas enquanto estamos aqui, permanecemos tranquilos. Aqui, pensamos na vida”, filosofa. 

Alimentação antes de voltar para as ruas

Silva Jr. / Especial
Wellington frequenta o Núcleo há seis anos e ajuda outras pessoas a fazer a barba (foto: Silva Jr. / Especial)

Às 15h, forma-se fila para café, leite, pão e margarina. Cada um, individualmente, prepara o seu. Mas a fila tem suas regras. Uma delas é priorizar as raras mulheres do grupo – entre elas, Janaína Carla Leandro Ferreira, 22 anos, no sétimo mês de gravidez, à espera do terceiro filho. Ela até já escolheu o nome: Muriel.

Natural de Ribeirão Preto, na periferia do Ipiranga, zona Norte, Janaína frequenta o Dom Helder desde sua inauguração, em 2005. Seu problema é o crack. Mas, enquanto está com os amigos, sente-se bem, reconfortada. Os filhos moram com a avó. Ela, com Muriel na barriga, perambula por aí. Diz que tem lugar garantido para dormir.

Atividade e jantar 

O horário das 15h15 às 16h15 é reservado à atividade pedagógica – cada dia, uma: pode ser artesanato, pintura, sessão de cinema (comentam o filme após a exibição) e grupo de reflexão, orientado por uma psicóloga.

Terminada a atividade, é servido o jantar, elaborado por nutricionistas do Sesc, do projeto Mesa Brasil. O Sesc envia legumes e saladas. O núcleo prepara arroz, feijão e uma carne. Às 17h, com raras exceções, todos voltam para a rua. 

“Pelo menos estão limpos, alimentados e certos de que poderão voltar amanhã. Durante as três horas que passaram conosco, ninguém usou droga. Sentiram-se protegidos e dignos. Essa é a nossa missão diária. É o que temos para oferecer”, diz o padre Clésio Lúcio Boeniares, que, depois de duas gestões como presidente do FAC (Fraterno Auxílio Cristão), é o atual primeiro tesoureiro.

*Confira a reportagem completa na edição impressa deste domingo (20), ou na edição online.

 



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