Sede da RM, Ribeirão Preto gasta ainda menos do que a média: 0,5%; na ponta da tabela está Monte Alto, com 2,7%
Dos 34 municípios que compõem a região metropolitana, 24 direcionaram menos de 1% de suas despesas para Cultura no ano passado. Ribeirão Preto está na parte de baixo do ranking, com apenas 0,5% dos gastos destinados a projetos e atividades culturais. A liderança é da Prefeitura de Monte Alto, com 2,7% dos recursos aplicados no setor.
O levantamento foi feito pelo A Cidade com base em dados oficiais, cadastrados pelos próprios municípios, junto ao Tesouro Nacional.
A reportagem considerou todos os gastos (incluindo intraorçamentários e os repasses para a Câmara de Vereadores) e a proporção dos registrados na função Cultura. Cajuru não entrou no levantamento, pois suas informações não estão no sistema do governo federal.
Juntos, os municípios gastaram R$ 5,23 bilhões em 2017. Desse montante, R$ 33,9 milhões (0,65%) foram registrados na rubrica Cultura. Ou seja: de cada R$ 10 gastos, apenas R$ 0,65 foram para o setor.
O A Cidade analisou, também, a soma de gastos cadastrados, além de Cultura, também na função Turismo já que o setor turístico é atrelado ao cultural em muitas cidades.
Mesmo assim, o contexto pouco melhora: 22 prefeituras destinaram menos de 1% dos gastos para os setores (ver infográfico ao lado). Ou seja, de cada R$ 10 gastos, R$ 0,70 foram para Cultura e Turismo.
Dos municípios, Taquaral não registrou gasto com as duas rubricas. Já Barrinha informou gastar 0,01% com o setor: exatos R$ 8,1 mil, conforme balanço das despesas cadastradas no Tesouro Nacional.
Museu
A carência de investimentos no setor cultural ficou escancarada após a tragédia do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Consumido pelo fogo no dia 2 de setembro, ele sofria com cortes de gastos recentes e denúncias históricas de falta de proteção.
"A queima do Museu Nacional é um fato entre tantos, mas que revela o desinteresse do País pela Cultura", afirma o professor da USP João Passador, especialista em gestão pública (ler ao lado).
IBGE
Estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), também utilizando dados dos Tesouro Nacional, apontou que, entre 2007 e 2010, a proporção dos gastos públicos com Cultura no Brasil, em todas as esferas administrativas, era de apenas 0,3%.
Os municípios, de acordo com o levantamento, destinaram em média 1% de seus gastos para o setor nesse período.
Em Ribeirão, só um museu aberto
Na edição de 4 de setembro, A Cidade mostrou que, dos quatro museus públicos de Ribeirão Preto, apenas o MARP (Museu de Arte) funciona adequadamente. O MIS (Museu da Imagem e Som) está sem sede própria e os museus Histórico e do Café estão fechados há dois anos para reforma, sem que qualquer obra tenha sido iniciada.
A Prefeitura anunciou que fará uma parceria com o Centro Universitário Moura Lacerda para revitalizar e reabrir os dois museus fechados. O custo das reformas está estimado em R$ 6,6 milhões e deve ser custeado pela Lei Rouanet.
Proporção dos gastos destinados a Cultura e Turismo em relação ao total de despesas das prefeituras em 2017
CIDADE %
Monte Alto 2,7%
Santo Antônio da Alegria 2,4%
Santa Rita do Passa Quatro 2,3%
Santa Cruz da Esperança 2,0%
Cravinhos 1,6%
Luís Antônio 1,6%
Batatais 1,5%
Serra Azul 1,4%
Sales Oliveira 1,2%
Mococa 1,0%
Guariba 1,0%
Santa Rosa de Viterbo 0,9%
Sertãozinho 0,9%
Cássia dos Coqueiros 0,7%
São Simão 0,7%
Tambaú 0,7%
Altinópolis 0,6%
Nuporanga 0,6%
Dumont 0,6%
Pitangueiras 0,6%
Orlândia 0,6%
Jaboticabal 0,6%
Jardinópolis 0,5%
Ribeirão Preto 0,5%
Morro Agudo 0,4%
Brodowski 0,3%
Pontal 0,3%
Guatapará 0,3%
Pradópolis 0,3%
Serrana 0,2%
Taiúva 0,2%
Barrinha 0,01%
Taquaral 0,0%
Barrinha e Taquaral
Citadas na reportagem, o A Cidade não conseguiu contato, na tarde de ontem, com as prefeituras de Barrinha e Taquaral, em razão do horário de expediente dos órgãos municipais encerrarem, respectivamente, às 13h e às 16h.
Monte alto investe nove vezes a média nacional
Proporcionalmente, Monte Alto foi o município que mais destinou recursos para Cultura na região metropolitana: 2,7% das despesas foram para o setor, o que representa R$ 3,3 milhões.
Em julho deste ano, após 2 anos e meio fechados para reforma, três museus administrados pela prefeitura foram reabertos: o da História Cultura, o de Arqueologia e o de Paleontologia (carro chefe da cidade, pela coleção de fósseis de dinossauros, entre eles um Aeolossauro de 75 milhões de anos).
Juntos, em um mês, eles receberam 7 mil visitantes, segunda Cida Constâncio, diretora do Departamento de Cultura. Foram gastos R$ 400 mil na revitalização, a maior parte vinda de emendas parlamentares.
"Mesmo fechado para o público, recebemos muitas visitas de pesquisadores e cientistas. Mesmo assim, como gestora, era angustiante ver os museus sem total funcionamento", diz Cida.
Ela ressalta que, há 26 anos, a Prefeitura também tem e custeia com recursos próprios o Conservatório Musical, com 19 cursos ministrados por 42 professores para 680 alunos, que aprendem de piano a acordeão. "Mais da metade dos nossos alunos são bolsistas", diz.
Cida pontua que o município também tem um biblioteca pública com 16 mil títulos e, com recursos do Governo Estadual, está começando a construir uma "Concha Acústica".
"Buscamos parcerias com Estado, governo federal e iniciativa privada para viabilizar projetos. A Cultura movimenta nossa cidade", afirma.
Ribeirão Preto destinou R$ 11,6 milhões ao setor
Em 2017, a Prefeitura de Ribeirão Preto cadastrou R$ 11,6 milhões destinados à Cultura, 0,5% do total de despesas (incluindo intraorçamentárias), que somaram R$ 2,4 bilhões. Dividindo o montante pelos 674,4 mil habitantes, foram destinados R$ 17,27 por morador no ano passado com Cultura.
Em nota, a Prefeitura afirmou que se baseia no que prevê o Plano Municipal de Cultura: "trabalhar em formação, difusão, fomento e patrimônio (material e imaterial)". Segundo o governo, "existe uma necessidade, neste momento, de devolver os patrimônios históricos restaurados", citando os museus e o Teatro de Arena.
Cita, também, que está sendo formulado um programa "utilizando o trinômio cultura-esporte-educação como ferramenta para promoção social", e que a Secretaria de Cultura apoia produtores culturais e coletivos, além de dar respaldo local a "espetáculos" viabilizados por leis de incentivo estaduais e federais.
Análise
Cultura vai além do erudito e museus, diz especialista
O professor de gestão pública da USP João Passador explica que o investimento em Cultura promove três resultados principais. "Produz uma identidade cultural, traz consciência política e resulta em desenvolvimento na esfera econômica, pois o universo de expressão artística gera produtos de grande valor na sociedade contemporânea".
Ele ressalta que existe a "tentação" de se associar cultura apenas à sua vertente erudita ou a equipamentos culturais físicos, como museus. "Ela é muito mais ampla".
Passador cita as Leis de Incentivo, em que entes federativos renunciam à receita para direcionar recursos a projetos culturais (como o Proac, Programa de Ação Cultural, no Estado de São Paulo) como propulsores do setor.
Ele lembra que, no Brasil, a Cultura pode ser definida "antes e depois" de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura (2003 2008), quando foi implementado o Sistema Nacional de Cultura.
Em contrapartida, lembra que no governo Michel Temer foi proposto, inclusive, a extinção do Ministério. "Revela uma visão até tosca em relação ao setor, em que Cultura é vista como despesa, e não investimento". (João Passador, professor de gestão pública da USP)