Remédios usados no tratamento de doença rara são suspensos pela Anvisa

03/07/2018 16:47:00

Famílias de Ribeirão Preto participam de campanha nacional para requerer o direito de aplicação a crianças de 4 e 6 anos

Cauê foi diagnosticado portador linfangioma ainda na barriga de sua mãe (Foto: Arquivo pessoal)
 

Lesão dos vasos linfáticos. Linfangioma. Doença rara, pouco conhecida, estudada ou falada no Brasil. E, agora, possivelmente sem tratamento.

O pequeno Cauê, de 6 anos, foi diagnosticado ainda na barriga da mãe, Giovanna Pereira Tres, 33, e desenvolveu os sintomas, que eram consequência da deformação das estruturas vasculares. Os efeitos tumorais apareceram na região cervical e na boca, próximos à língua, assoalho da boca e gengiva.

Aprendeu o que são embolizações das substâncias OK 432 e Bleomicina, que funcionam como uma quimioterapia e degradam os polímeros. O tratamento, iniciado em Ribeirão Preto nos primeiros meses de vida, foi acompanhado até outubro de 2017 no Hospital A. C. Camargo, em São Paulo.

"Depois que a Anvisa barrou as importações desses medicamentos, meu filho ficou sem alternativas. Estamos desesperados, porque a situação do quadro dele é sempre um 'por enquanto'. Estamos travados no meio do caminho", lamenta.

E não há expectativas. Também em outubro do ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária divulgou uma nota suspendendo o uso e comércio de cinco medicamentos, incluindo os citados acima, devido à inspeção negativa dos locais de fabricação, no Japão e no México.

A novidade, que foi sentida recentemente com o fim dos estoques hospitalares, revoltou Giovana e centenas de portadores, já que a doença atinge, em média, 1 em cada 10 mil nascimentos e é mais comuns entre pacientes do sexo masculino. Há registros de adultos que também apresentaram casos císticos.

Márcia Marisa Macei, 57, viveu o mesmo drama com o neto, Ian Vitor, de 4 anos. Apesar da proporção menor e a cura aparente, o menino fez uso do OK 432 e segue acompanhando seu desenvolvimento no Hospital das Clínicas.

"O cisto parecia uma bolha que se movia do ombro para as costas dele, que ainda não tinha 2 anos de idade. Quando veio o diagnóstico, ficamos muito assustados com a falta de informação, porque nem mesmo os médicos pareciam saber como prosseguir. Aí fomos transferidos para o HC, conseguimos o medicamento pelo Ministério Público e tudo parece estar bem. Por isso, acho injusto ver outras crianças que precisam, sofrendo com a deformação de vários níveis diferentes e sem assistência", ela afirma.

Campanha nacional


Criada nas redes sociais, a campanha #LiberaAnvisa já mobilizou pelo menos 230 pessoas que precisam dessas substâncias para tratamento médico em uma grupo do Facebook, a fim de chamar a atenção das autoridades responsáveis. Giovana e Márcia fazem parte do movimento.

"A intenção é essa mesmo. Alguns portadores já estão apelando para intervenções com álcool e nitrato de prata, que são extremamente fortes e por falta de opção. A cirurgia não é recomendada para alguns casos, como o do meu filho, mas o Linfangioma pode levar a morte. Então, precisamos de ajuda. Nosso apelo é que a Anvisa reconsidere e refaça a inspeção. Ou que pelo menos divulgue um medicamento substitutivo", explica a mãe do Cauê.

Fundamental para o controle

De acordo com o cirurgião de cabeça e pescoço, Paulo Barrero Marques Netto, os medicamentos OK 432 e Bleomicina são fundamentais para o controle da doença congênita, que já avançou, mas ainda é dependente das importações.

"Nas primeiras tentativas de tratamento, removíamos esses vasos de maneira cirúrgica, mas, como estão no meio do tecido normal, a remoção trazia morbidade para o paciente. Então, a esclerose se tornou mais eficiente. Aplicamos o remédio dentro da lesão para que haja ressecamento e só essas duas substâncias mostraram boa ação", afirma.

A outra opção, relacionada à injeção de álcool absoluto, não é capaz de controlar adequadamente o quadro, além do grande risco. O especialista, explicou, ainda, que a doença é realmente rara e que o Hospital das Clínicas está entre os poucos centros especializados do País.

"Aqui, nosso estoque também acabou há pelos menos três meses. Os acompanhamentos continuam para evitar complicações. Como é uma doença congênita, ela fica estável, mas pode ser exposta a infecções quando apresentadas na língua, por exemplo".

O risco, segundo Netto, é a falta de diagnóstico. Em crianças, quanto mais demora em corrigir essas malformações, mas causará agravantes que modificam a estrutura óssea, mesmo não sendo comum a cura da doença. "Procuramos tirar essas lesões maiores e as menores, que são microcísticas, seguimos clinicamente. É um controle", finaliza o especialista.

Outro lado

Por meio de nota, a Anvisa informou que "a importação desses medicamentos foi suspensa em razão de problemas, que podem acarretar riscos à saúde da população", escreveu, via assessoria de imprensa. As irregularidades foram encontradas durante inspeção sanitária nas fábricas dos dois países.

No entanto, a Agência indicou que, assim que os fabricantes efetuarem a correção, poderão voltar a ser importados normalmente. Até lá, a autorização pontual tem sido feito para remédios com princípio ativo bleomicina. "Se o caso em questão envolver a distribuição pelo SUS [Sistema Único de Saúde], recomendamos, então, que procure a referida secretaria de Saúde", finalizou.




    Mais Conteúdo