Prefeitura de Ribeirão Preto acaba com convênio de cursinho para alunos de baixa renda

11/01/2018 13:58:00

Programa existia há 5 anos por meio de isenções fiscais; administração alega impedimento legal

Weber Sian / A Cidade
Camila contava com o cursinho para passar em Medicina (foto: Weber Sian / A Cidade)

 

Sem aviso prévio à população, a Prefeitura de Ribeirão Preto encerrou em janeiro um programa de 13 anos, que matriculava alunos de baixa renda em cursinhos particulares de preparação para o vestibular. Em 2017, 110 jovens foram beneficiados, ao custo de R$ 1,5 milhão aos cofres públicos por meio de compensações fiscais.

O Palácio Rio Branco alega que uma Lei Federal, em vigência desde junho do ano passado, impediu que o” Programa Social Educação e Oportunidade” continuasse.

Duas instituições, COC e Colégio Einstein, do mesmo grupo econômico, matriculavam alunos em seus cursinhos e, em troca, descontavam os gastos do recolhimento do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza).

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Pelos moldes do programa, entidades que não recolhem o imposto – como as sem fins lucrativos ou filantrópicas – não participavam.

Apesar de alegar impedimento legal, a prefeitura não ofereceu até o momento alternativa para a manutenção do projeto em outros moldes. O Palácio Rio Branco afirma que apenas em 2019, o programa deve ser reformulado e reaberto.

“Não tenho condições de pagar um cursinho particular” lamenta Camila Santos, 19 anos. Ela estudou em escolas públicas a vida toda e conta que, ao fazer o cursinho em 2016 pelo programa, sentiu que poderia sonhar alto: quer medicina.

Ano passado foi autodidata, após não conseguir se matricular no programa. Agora, com o fim do projeto, o sonho ficou distante. “Não vou desistir. Mas ficará mais difícil”.

Qualidade

Além da questão legal, a prefeitura alega que os resultados do programa não eram satisfatórios, citando baixa frequência e notas.

Ex-alunos do programa, porém, rebatem. “Se não fosse o cursinho, não estaria na faculdade”, afirma Gabriely Martins Silva, 19 anos, que passou em Terapia Ocupacional na USP em 2016. Sua mãe trabalha como faxineira diarista e seu pai é motoboy. “Não teria como pagar um curso particular”, diz.

Ao menos 15 alunos daquele ano foram aprovados em faculdades públicas ou com bolsas quase integrais em particulares, segundo levantamento de um deles. A prefeitura não informou o número de aprovações.

Os alunos do programa tinham as mesmas aulas de cursinho que os demais das instituições, sem diferença de professores ou material didático.

O superintendente do COC, Nilson Curti, diz ter sido pego de surpresa com as alegações de resultados insatisfatórios pela prefeitura.

“Não é, absolutamente, o que percebemos nos últimos anos. O encerramento do programa é um desejo político, financeiro e social deste atual governo”.  

‘Prefeitura não deu alternativas’

O superintendente do COC, Nilson Curti, diz que no primeiro semestre do ano passado foi informado pelo governo que o programa de bolsas seria encerrado devido à edição de uma  Lei Federal que impedia compensações no ISSQN. Depois, foi pego de surpresa este mês, após o governo justificar que os resultados qualitativos não eram satisfatórios.

No ano passado, 100 alunos foram matriculados no cursinho do COC pelo programa, em  uma turma com aulas noturnas, e Nilson diz que a evasão era até menor que a dos estudantes particulares. No Colégio Einsten eram 10 alunos.

O custo de cada aluno do programa era o mesmo de uma matrícula particular, já que não havia diferenciação nas aulas. Aproximadamente, cada matriculado no COC custava R$ 12 mil anuais ao município – o valor inclui o material didático.

Nilson diz que advogados consultados pelo COC afirmaram que o programa, por não fazer parte do escopo da guerra fiscal que a Lei Federal quer impedir, tem amparo legal.

Mesmo assim, diz, que a prefeitura poderia ter reformulado o programa, por meio de editais
ou licitações, mediante o pagamento direto pelas vagas, sem as isenções. “Não houve, até o momento, qualquer proposta alternativa pelo governo. Portanto, me parece que o desejo é o de acabar com o programa”, lamenta.

Weber Sian / A Cidade
Cursinho levou Wesley Trindade a uma vaga no curso de história (foto: Weber Sian / A Cidade)

 

‘Não imaginava que era possível’

“Quando saí da rede pública no Ensino Médio, não imaginava que poderia ingressar em uma faculdade”. Wesley Trindade, 20 anos, cursa o 2º ano de história na Unesp. Ele também foi aprovado em psicologia na Universidade Federal do Mato Grosso.  Wesley fez cursinho preparatório no COC em 2015 e 2016 pelo programa de bolsas da prefeitura. “Jamais teria como pagar um curso particular. Na verdade, estava meio perdido quando finalizei o ensino médio. Somente depois minhas portas foram abertas”. Ele conta que seus pais conseguiram segurar a barra enquanto ele se dedicava apenas aos estudos. “Mas muitos da minha turma precisavam trabalhar, por isso acabavam desistindo. Agora, com o fim do programa, o acesso das pessoas de baixa renda ao ensino superior será ainda mais difícil”. Gabriely Martins Silva, 19 anos, também conseguiu ser aprovada em 2016 em terapia ocupacional e obteve bolsa integral em nutrição na Unaerp. Com o esforço dos pais, ela também pôde se dedicar apenas aos estudos.  “Mas jamais conseguiria pagar um curso particular. Se não fosse o programa, não estaria na faculdade”. 

Cautela adotada é adequada, mas existem alternativas

A Lei Complementar 157 prevê a possibilidade de agentes públicos que instituírem ou mantiverem benefícios que não observem a cobrança mínima de 2% no ISSQN sejam processados e condenados por improbidade administrativa. Essa legislação tem como principal objetivo acabar com a “guerra fiscal” dos municípios, que reduziam tributos para atrair empresas. Agora, criou-se um movimento nacional de prefeitos para se adequarem à nova legislação. Do ponto de vista estritamente legal, a cautela adotada pela prefeitura de Ribeirão Preto é adequada, pois a compensação prevista no programa do cursinho poderia ser visto como um incentivo ilegal. Entretanto, do ponto de vista de políticas públicas, o município poderia ter pensado em alternativas para manter o serviço já existente. Paulo Henrique Patrezze Rodrigues, Advogado, especialista em Direito Tributário

Outro lado

A prefeitura informou que a legislação a impediu de manter o programa mediante compensação tributária, que a evasão era de “cerca de 40% no COC e 30% no Eistein” e que apenas um dos 26 alunos que realizaram um simulado teve “pontuação considerável, com 71 dos 100 pontos” possíveis. O Palácio diz que a “pretensão” é realizar um projeto adequado à legislação e com “melhor aproveitamento” em 2019.

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