Gratificação faz servidor ganhar mais que presidente da República

10/02/2017 12:46:00

RTI, cortado após a Sevandija, mas incorporado ao salário de 70 servidores da Câmara de Ribeirão Preto, chega a R$ 13 mil

Matheus Urenha / A Cidade
Marcelo é considerado a 'bíblia' da Câmara; vereadores sempre recorrem a ele na tomada de decisões (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

 

Com a gratificação de RTI (Regime de Tempo Integral), funcionários da Câmara de Ribeirão recebiam salário maior que o do prefeito e, até, do Presidente da República. Mesmo com o corte do benefício feito após a Operação Sevandija, cerca de 70 servidores com mais de cinco anos de casa conseguiram incorporar a gratificação permanentemente ao contracheque e, com isso, têm direito a adicionais que chegam a R$ 13 mil.

É o caso do Procurador Jurídico da Câmara, Marcelo Ramos. De agosto de 2014 a fevereiro de 2015, ele recebeu salário mensal de R$ 28,4 mil – sendo R$ 12,5 mil apenas de RTI.

Em 2014, a ex-prefeita Dárcy Vera (PSD) ganhava R$ 17,3 mil e a ex-presidente Dilma Rousseff recebia R$ 26,7 mil.

E o procurador não era o único: em 2013, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontou nominalmente outros quatro funcionários que recebiam mais do que o teto do prefeito – que poderia ter sido aplicado desde 2003, após aprovação de legislação no Congresso Nacional.

Apenas em março de 2015, após o Supremo Tribunal Federal (STF) exigir que o teto fosse aplicado no serviço público de todo o País, os funcionários da Câmara passaram a ter desconto no salário após atingir o valor recebido pelo prefeito – hoje em R$ 23 mil.

Após o corte, Marcelo ingressou no ano retrasado na Justiça para tentar manter o salário acima do teto.

Os holerites dele foram obtidos pelo A Cidade nesse processo, que não corre sob sigilo judicial. A Justiça negou em primeira instância que ele recebesse acima do teto, em decisão de maio de 2016. 

Em entrevista à reportagem, Marcelo negou irregularidades, lembrou que é funcionário concursado da Casa desde 1986 e que recebe RTI desde então, pois chega a trabalhar 16 horas diárias.

Farra

A farra do RTI na Câmara veio à tona após A Cidade revelar o pagamento indiscriminado a assessores de vereadores, com base em documentos da Operação Sevandija.

Em dezembro de 2016, todos os comissionados tiveram o RTI extinto e, no mês passado, o presidente da Câmara, Rodrigo Simões (PDT), cortou o benefício de 23 servidores, que resultará em economia de R$ 390 mil ao ano, segundo levantamento feito pela Mesa Diretora.

Outros 70 funcionários, segundo ele, não podem ter o corte do RTI, pois já receberam por cinco ou mais anos e conseguiram incorporá-lo no contracheque, conforme determinaria o estatuto do servidor e o Plano de Cargos, Carreiras e Salários.

Câmara não informa valores

Questionada há dois dias, a assessoria de imprensa da Câmara não informou ao A Cidade o número de funcionários que ganhavam RTI no ano passado e o valor gasto em janeiro ano, alegando que o setor administrativo não teve tempo de fazer o levantamento. O Legislativo garantiu que, desde março de 2015, nenhum funcionário ganha mais que o salário do prefeito

Rodrigo corta RTI e exige divulgação de salários no site

Eleito em janeiro presidente da Câmara, Rodrigo Simões (PDT) determinou o corte do RTI de 23 servidores, justificando não haver critério para a concessão do benefício. A estimativa é que isso trará economia de R$ 390 mil ao ano. Além disso, ele determinou que nenhum funcionário receberá o RTI na base de 100% (que dobrava o salário).

Segundo A Cidade apurou, os cortes geraram revolta em parte dos servidores da Casa, que chegaram inclusive a cogitar paralisação dos serviços.

Rodrigo promete, também, divulgar na próxima semana o salário dos servidores no site da Câmara - o valor era mantido sob sigilo pelos antigos presidentes.

“Isso faz parte do processo de moralização e retomada de credibilidade da Câmara”, afirma Rodrigo, que levantou a transparência como a bandeira de sua gestão.

Reprodução

 

Acesso à caixa-preta

A Cidade tenta, desde 2015, ter acesso aos salários dos funcionários da Câmara, por meio da Lei de Acesso à Informação. Três requerimentos já foram negados, apesar do STF atestar, desde abril de 2015, que a divulgação dos salários é legítima. O último pedido foi protocolado em 22 de janeiro, e tem até segunda-feira (13) para ser atendido. A Câmara já negou, também, acesso da reportagem ao RTI pago em 2016. Ao assumir a presidência, Simões negou recurso do A Cidade contra dois pedidos já negados no ano passado.

‘Não havia ilegalidade’

Em entrevista ao A Cidade, Marcelo Vieira ressaltou que trabalha na Câmara desde 1986, é o único procurador jurídico efetivo da Casa e que, em dias de sessão, trabalha por mais de 16 horas, sendo que a jornada pela qual foi contratado seria de 4 horas. Ele afirmou que, até março de 2015, não havia decisão com trânsito em julgado no Supremo Tribunal Federal que impusesse teto salarial. “O próprio acórdão (do STF) deixa claro que, quem recebeu de boa fé os salários, não implicou em irregularidade e, portanto, não cabia a devolução de valores.

Isso não se aplicou apenas a mim, mas a milhares de funcionários de todo o País”. O procurador mostrou holerites comprovando que, desde então, não recebeu acima do teto - ele chega a ter R$ 18 mil descontados do salário. Marcelo ressaltaque tramita no STF processo sobre o salário dos procuradores municipais, que poderiam ter o teto vinculado ao salário dos desembargadores, e não do prefeito.

Análise>>>Decisão do STF obrigou aplicação do teto salarial

Antes da Emenda Constitucional 41/2003, o teto de remuneração dos servidores era o valor recebido pelos Ministros do STF. Essa emenda passou a prever que, no Poder Executivo Municipal, os valores dos servidores observariam como teto – ou seja, como valor máximo para pagamento –a remuneração do prefeito. Essa questão foi submetida ao Judiciário, que, em 2014, decidiu que a emenda deveria ser aplicada desde sua entrada em vigor a todos os servidores. Em razão do princípio da irredutibilidade dos vencimentos e da boa-fé, entretanto, entendeu-se que os servidores que até a final decisão do STF recebiam valores acima do teto sem ter, contra si, processo promovido pelo respectivo ente pagador, não precisariam devolver quaisquer valores recebidos, desde que lícitos.

Gustavo Bugalho, advogado especialista em gestão pública



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