R$ 45,6 milhões: o custo da 'farra das horas' no Daerp

06/02/2017 08:59:00

Dados obtidos pela Lei de Acesso revelam que funcionários chegam a quintuplicar o salário base com jornada extra

Matheus Urenha / A Cidade
Funcionários trocam bomba do poço do Jardim Jamil Seme Cury, na zona Norte; serviço foi realizado entre a noite de quinta-feira e a tarde da última sexta-feira (foto: Matheus Urenha / A Cidade)

 

Nos últimos cinco anos, o Daerp desembolsou R$ 45,6 milhões com horas extras e plantões dos funcionários, que chegam a receber R$ 10 mil ao mês e a quintuplicar o salário base apenas com o ganho da jornada adicional. O descontrole é tanto que, nesse período, foram registradas 2,3 milhões horas adicionais – equivalente a 263 anos.

Dados, obtidos pelo A Cidade por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que a autarquia também “driblou” o Ministério Público Estadual, que , em dezembro de 2014, firmou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) para que o Daerp reduzisse, em seis meses, o pagamento de horas extras.
Entretanto, a autarquia compensou as horas extras pagando plantões. Resultado: só no ano passado a jornada adicional custou R$ 11,1 milhões, o maior montante desde 2012.

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A “farra da hora extra” já havia sido denunciada pelo A Cidade em novembro de 2014. De lá para cá, porém, quase nada mudou.

Em novembro do ano passado, por exemplo, um mecânico de manutenção de bombas recebeu R$ 7,8 mil referentes a 174 horas de plantão e outros R$ 1,4 mil de 38 horas extras, totalizando R$ 9,3 mil – cinco vezes o salário base, de R$ 1,7 mil.

Esse mesmo funcionário, entre os meses de agosto e novembro, realizou 488 horas de plantão e, por elas, recebeu R$ 28,7 mil.

E, apesar da Lei Complementar 222/2015 determinar que os plantões no Daerp devem priorizar “serviços operacionais essenciais ao funcionamento dos sistemas de água e esgotamento sanitário”, um agente de administração, que cuida de serviços burocráticos, recebeu R$ 7,7 mil em novembro por 107 horas de plantão. 

Jornada adicional é um quinto da folha

Em novembro do ano passado, 20% da folha de pagamento do Daerp foi destinada ao pagamento de plantões e horas extras: R$ 5,7 milhões a 891 servidores, sendo R$ 1,1 milhão apenas de jornada adicional. Para efeito de comparação, em Uberlândia – terceira melhor cidade do País em saneamento, segundo o Trata Brasil de 2016 – o impacto na folha é de apenas 5,65%, segundo a assessoria de imprensa do município. Para o Amaury Rezende, professor da USP especialista em gestão pública, o percentual do Daerp é alto. “É sinal de que algo na estrutura está errado. A pergunta que se deve fazer é: qual a motivação desses pagamentos?” Ele explica que o Daerp, por prestar serviços continuados, precisa ter jornada adicional, mas que o excesso delas pode ser sinal de falta de funcionários, problemas de gestão ou uma maneira de aumentar os salários. “O poder público precisa exercer controle rigoroso sobre as horas extras, pois oneram os cofres e devem ser em caráter excepcional.” A Sanepar, responsável pelo abastecimento de Londrina (PR), e a Sabesp, pelo gerenciamento em Franca, as duas melhores cidades do Trata Brasil, não enviaram os dados ao A Cidade.

'Ficamos longe da família'

Funcionários do Daerp alegam que os plantões e horas extras são resultado da sobrecarga de serviço e falta de estrutura.

“Não há equipe suficiente para corrigir os problemas e, para não acumularem ainda mais, temos que trabalhar aos finais se semana”, diz Marcelo Lima, representante do Sindicato dos Servidores no Daerp. Segundo ele, há déficit de 400 trabalhadores.

“Uma substituição de bomba, por exemplo, pode levar de 12 a 18 horas, e o Daerp não troca a equipe. Ou seja: o servidor precisa ficar todo esse tempo no local, sem ter quem o substitua. Esse modelo não é favorável para a gente, ficamos com excesso de trabalho e longe da família”, diz.

Ele ressalta que muitos serviços precisam ser feitos aos finais de semana, para não atrapalhar o trânsito e o comércio, e que a medida da atual superintendência, de cortar plantões e horas extras, irá prejudicar a população. “Os serviços ficarão acumulados”. Os funcionários, segundo o sindicalista, temem que seja também uma brecha para terceirização dos serviços.

Matheus Urenha / A Cidade
Em novembro do ano passado, 20% da folha de pagamento do Daerp foi destinada ao pagamento de plantões e horas extras (foto: Matheus Urenha / A Cidade)

 

Cultura

A nova superintendência do Daerp encontrou uma “cultura de hora extra” na autarquia. Tanto que boa parte dos funcionários “vende” uma de suas duas horas  de almoço para continuar trabalhando e, assim, receber jornada adicional. Há, até, relatos de funcionários que vão à autarquia aos finais de semana realizar serviços administrativos. Os gestores encontraram também “justificativas padrão” para o plantão, que pareciam cópias umas das outras. 

Análise - É preciso apurar a causa do excesso de horas extras

Os funcionários concursados do Daerp seguem o seu próprio estatuto, e não a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Entretanto, a Constituição Federal trata da jornada de trabalho, impondo limitações para garantir a saúde do trabalhador, que deve estar sempre em primeiro lugar. É necessário verificar a causa desse excesso de horas extras e plantões. Se são por falta de funcionários ou problemas de estrutura, em que os servidores são obrigados a realizar a jornada adicional, ou se há indicativos de fraude. Se de fato esse volume de carga de trabalho existir, os funcionários podem desenvolver a Síndrome de Burnout, conhecida como Síndrome do Excesso de Trabalho, que acarreta em risco de fadiga, acidentes e até mortes. Além disso, o rendimento será afetado. Athus Fernandez, Coordenador da Comissão de Direito do Trabalho da OAB de Ribeirão Preto.

 

 



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