Mulheres ficam fora da disputa ao Palácio Rio Branco

29/07/2016 09:12:00

Cultura machista, falta de incentivo e de interesse da própria mulher são atribuídas à falta de candidatas

Fábio Melo / A Cidade
Palácio Rio Branco, sede da prefeitura de Ribeirão Preto (foto: Fábio Melo / A Cidade)

 

Pela segunda vez em 20 anos, Ribeirão Preto não deverá ter uma representante feminina na disputa à sucessão da prefeita Dárcy Vera (PSD), no comando do Palácio Rio Branco.

Com exceção do no 2000, a cidade sempre teve candidatas mulheres desde 1996 e com Dárcy eleita em 2008 e reeleita quatro anos depois.

Mulheres que já disputaram eleições no passado e enfrentaram os homens na corrida eleitoral lamentam a ausência.

Depois de concorrer a duas eleições pelo PSTU - uma em 1996 e outra em 2000 -, Fátima Fernandes avalia que a condição da mulher na sociedade é o que a dificulta a se lançar candidata nos dias atuais.

“A mulher muitas vezes tem uma jornada tripla, o que atrapalha uma preparação maior para que ela enfrente uma disputa eleitoral. A mulher precisa lutar contra vários obstáculos, inclusive dentro de casa”, diz Fátima.

Para Jussara Teixeira Marcelino, do Movimento Mulheres Unidas por Ribeirão, devido à cultura machista, falta incentivo para que as mulheres sejam mais atuantes na política municipal (leia abaixo).
Porém, para especialistas, apesar da cultura machista, falta consciência à mulher de que política não é atividade só de homem.

“Provavelmente o gênero não foi fator predominante na escolha dos partidos políticos. Se houvesse uma liderança feminina, puxadora de votos, ela seria a indicada, como a Dárcy Vera foi, nas últimas duas eleições”, diz a cientista política Maria Teresa Kerbauy.

A prefeita Dárcy Vera (PSD) lamenta a falta de uma mulher na disputa pelo Executivo neste ano.
“A mulher acaba abrindo mão (da política) para cuidar da casa, dos filhos, da família. O instinto materno é maior.”

Segundo Dárcy, é muito difícil exercer um cargo público e ser mãe, avó, irmã e ser filha ao mesmo tempo.
“A atuação da mulher na política é necessária porque ela traz para dentro da administração pública um pouquinho do lado emocional e maternal. É fundamental a participação para que a democracia ganhe musculatura necessária para as mudanças que o Brasil necessita”.

Dárcy afirma que é preciso muita coragem e preparo para ouvir palavras machistas e de deboche ao disputar um cargo eletivo.

A ex-vice-prefeita Delvita Pereira Alves (PSDB), no governo de Luiz Roberto Jábali (1997-2000), avalia que a ausência de candidatas para disputar o Palácio Rio Branco se deve à falta de participação efetiva das mulheres nos partidos.

“É preciso de maior engajamento. Se a mulher não participa, não está presente no partido, não terá seu nome indicado para concorrer ao cargo majoritário”, afirma Delvita. 

‘Falta motivação e apoio’

Uma das fundadoras do Movimento Mulheres Unidas por Ribeirão, Jussara Teixeira Marcelino lamenta que nenhuma mulher esteja até agora na disputa pela Prefeitura de Ribeirão Preto. “A mulher tem uma forma diferente de fazer política, tem, por exemplo, mais sensibilidade para as questões sociais. Além do mais, os poderes precisam representar a sociedade, ou seja, serem formados por homens e mulheres”, avaliou.

Jussara atribui a falta de motivação para o envolvimento de mulheres na política à cultura machista. “A preocupação dos partidos é atender o que a legislação estabelece. Falta incentivo, apoio, motivação. Ainda veem a política como coisa de homem.”

Para ela, as mulheres se desinteressam pela política, por não verem formação de lideranças, e têm preferido comandar entidades e ONGs. “As mulheres que conseguem romper essa barreira machista são verdadeiras heroínas, mas passam a ser criticas até no campo pessoal, justamente devido ao preconceito.”

Lei obriga mulher no legislativo

Pela legislação eleitoral, os partidos políticos são obrigados apenas a lançar candidatas mulheres na disputa pelo Legislativo, ou seja, Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas. A exigência em vigor prevê que os partidos e coligações reservem pelo menos 30% das vagas para pessoas do sexo feminino. Caso haja o descumprimento da regra, a Justiça Eleitoral pode desde impugnar todas as candidaturas, reduzir o tempo da propaganda eleitoral a aplicação de multas.

Participação feminina é pequena

Presidente local do PSDB, o empresário Nicanor Lopes diz que existe uma grande dificuldade dos partidos em conseguir maior participação das mulheres. “É  complicado vencer essa dificuldade. Até tem mulheres filiadas, mas na hora de decidir se vai sair candidata, elas desistem porque leva em consideração a família.” Já o presidente do PTB, Paulo Garde, diz que a dificuldade existe não só para a disputa do Executivo, mas para o Legislativo. “Elas até se colocam à disposição um ano antes das eleições, mas depois desistem. Elas justificam que sempre alguém não quer. É o marido, o noivo.” O presidente do PPS, César Sturari, diz que seu partido sempre trabalhou para conseguir elevar a participação das mulheres. “A gente até consegue para disputar a proporcional, mas para o Executivo existe uma rejeição grande.”

Análise - Ela não só pode, como deve participar

“A conquista de cargos políticos por mulheres é muito recente, não está consolidada, se pensarmos em tempo. A mulher nunca teve acesso de forma muito marcante na política. Agora que estão tendo mais oportunidade, me parece que falta consciência da própria mulher de que política não é atividade exclusivamente de homem. Há realmente uma cultura machista no Brasil, mas muitos partidos políticos, principalmente de esquerda, já possuem comissões de mulheres atuantes e fortes, embora outros apenas cumpram a legislação eleitoral. Vivemos um momento de transição onde a mulher não só pode como deve participar da política. Não devem ser casos isolados. Apesar de defender a igualdade de participação, não vejo diferença na forma de administrar uma prefeitura, por exemplo, pela ótica de gêneros, exceto em questões específicas, como nos direitos das mulheres e no combate a violência doméstica”. Maximiliano Martin Vicente, cientista político

QUEM JÁ CONCORREU

1996 - Fátima Fernandes (PSTU) e Marise Cione (PTN) - Eleito: Luiz Roberto Jábali (PSDB)

2000 - Apenas homens concorreram ao cargo de prefeito - Eleito: Antônio Palocci Filho (PT)

2004 - Fátima Fernandes (PSTU) - Eleito:  Welson Gasparini (PSDB)

2008 - Dárcy da Silva Vera (DEM) – foi eleita

2012 - Dárcy da Silva Vera (PSD) - reeleita

2016 - Sem candidatas a mulher na disputa

 

 

 



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