Na era digital, Câmara Municipal aumenta gastos com cartas

23/04/2015 09:08:00

Vereadores batem recorde de envio de correspondência; em três meses, foram mais de R$ 77 mil

Milena Aurea / A Cidade
Vereadores de Ribeirão Preto batem recorde de gastos com correspondência (foto: Milena Aurea / A Cidade)

Em plena era da tecnologia, a Câmara de Ribeirão Preto ainda bate recorde em despesas com cartinhas. Entre selos, sedex e AR (aviso de recebimento), o Legislativo gastou R$ 376,6 em 2014. O valor é cerca de R$ 27 mil superior ao de 2013, quando a despesa com Correios foi de R$ 349,4 mil.

Os três primeiros meses de 2015 mostram também um gasto acelerado: foram de R$ 77,6 mil – R$ 3,5 mil a mais do que o mesmo período do ano passado.

Além do montante destinado ao setor administrativo da Casa de Leis e ao cerimonial, responsável pelas sessões solenes, cada um dos 22 gabinetes dos vereadores tem uma cota mensal de mil selos. E essas correspondências são utilizadas das mais diversas formas: cumprimentos de aniversários, datas comemorativas, divulgação de ações e até pêsames.

Para o cientista político Fábio Pacano, a crescente despesa deve-se ao valor simbólico das cartinhas, que ainda, segundo ele, tem vantagem sobre as ferramentas digitais. “A correspondência tem uma carga emocional que o correio-eletrônico não tem. Quem recebe não sente que é mais um entre muitos, se sente especial”, frisa

Entretanto, o especialista acredita que quando a correspondência não tiver caráter público, ou seja, quando se trata de uma gentileza, o parlamentar deveria custeá-la ao invés do Legislativo, por meio de recursos públicos.

O vereador governista Waldyr Villela (PSD) afirma enviar cerca de 50 cartas por semana. No geral, as correspondências são usadas para cumprimentar pelo aniversário os pacientes do ambulatório, localizado no bairro Tanquinho, em que presta serviço há mais de 40 anos.

Outro foco do parlamentar são os familiares das pessoas falecidas no município.“É uma cartinha de consolo para as famílias pelo momento difícil da perda de um ente querido. Pegamos os obituários no jornal e meu assessor faz o resto da pesquisa”, explica Villela.

A escolha pela carta em vez de um e-mail, por exemplo, segundo o vereador, é devido ao público alvo. “Esse tipo de coletividade que atuamos é mais simples, muitas vezes não tem recursos de comunicação modernos. É um jeito carinhoso de chegarmos até o munícipe. Tem um efeito emocional muito grande, geralmente a pessoa liga agradecendo”, enfatizou, emendando que sem atingir a cota mensal, reserva o excedente para usar na época do Natal.

Já o vereador oposicionista Paulo Modas (PROS) afirma atingir sua cota todo mês. “Uso as cartinhas para os fins que o gabinete vê necessidade, como cumprimentar os aniversariantes que temos cadastrados. Também enviamos correspondência aos moradores de bairros para informar sobre os nossos pedidos que foram atendidos pela prefeitura”, destacou.

Paulo também diz preferir enviar cartas ao invés de e-mails ou mensagens devido ao público alvo. “Não é todo mundo que tem um computador, e-mail e facebook. Meu público é mais pobre. Acredito que esse contato com a população é uma extensão do meu trabalho”, avalia.

Arte / A Cidade
Confira o preço das 'cartinhas' enviadas pelos vereadores de Ribeirão Preto (Arte / A Cidade)

 

Câmara se esquiva sobre gasto crescente

Questionada sobre os crescentes gastos com correspondência, a Câmara de Ribeirão Preto declarou apenas que “a comunicação é feita por correio ou e-mail, seguindo critérios do protocolo. Assim, depende do público ao qual se destina e o objetivo da comunicação”.

Ainda de acordo com uma das notas enviadas pela assessoria de imprensa do Legislativo, “periodicamente a Câmara Municipal adquire quantidades maiores de selos para uso da administração, do cerimonial e gabinetes da Casa. As últimas compras foram feitas em setembro de 2014, no valor de R$ 54 mil, e em fevereiro de 2015, no valor de R$ 75 mil”.

Uma das notas ainda diz que “a despesa refere-se a selos, sedex e AR. A utilização desse serviço é controlada, sendo que cada gabinete tem um limite de 1.000 selos mensalmente”. 

Análise - Carta ainda tem caráter emocional

A correspondência tem uma carga emocional que o correio-eletrônico não tem. A materialidade tem significância. No dia a dia, os meios eletrônicos não são tão decisivos quanto acreditamos. A carta é um amor tátil, não sei se pela formalidade, mas pelo valor simbólico que possui. O correio-eletrônico parece sempre ser padronizado. A carta por mais que seja padrão não dá essa percepção. Quem recebe não acha que outras receberam a mesma carta, a pessoa se sente especial. Por isso, normalmente o político que destina cartas aos munícipes colhe os frutos desse ato, possivelmente por meio de votos. Só é equivocado o poder público bancar essas despesas. A Câmara deveria custear as cartas que tem caráter público, como convocações e audiências públicas. Cartas de gentileza, como cumprimentos por datas comemorativas, deveriam ser custeadas pelos próprios vereadores. Para não terem gastos, os vereadores deveriam investir mais nas redes sociais, separando o perfil político do pessoal. É inacreditável como as pessoas ficam agradecidas pela atenção de uma resposta. Fábio Pacano, cientista político.  



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