Gastos com medicamentos e tratamentos via judicial batem recorde em Ribeirão

19/08/2017 19:02:00

Secretaria Municipal de Saúde desembolsou R$ 5,3 milhões em 2016 para pacientes que entraram na Justiça

Matheus Urenha / A Cidade
Laira Giachetto conseguiu há cinco anos viabilizar o tratamento para diabetes da filha Lívia, de 6 anos (Foto: Matheus Urenha/ A Cidade)

 

A Secretaria Municipal de Saúde nunca gastou tanto na história com processos judiciais movidos por pacientes exigindo medicamentos e bombas de insulina.

No ano passado, a pasta desembolsou R$ 2,3 milhões para essa finalidade. Se for considerado também o gasto com fraldas, aparelhos para apneia, próteses e dietas, o total em 2016 atingiu R$ 5,3 milhões.

A farmacêutica da Secretaria Municipal de Saúde, Giulliene Trajano Silveira, explica que a alta pode ser explicada pelo maior conhecimento dos direitos por parte da população e pela evolução da medicina.

“A atualização dos protocolos do SUS muitas vezes não alcança a tecnologia e o sistema não pode incorporar medicamentos e tratamentos rapidamente, há testes de eficácia e segurança”, esclarece.

Por outro lado, a farmacêutica estima que, em 20% dos processos judiciais movidos hoje contra a secretaria em busca de tratamentos e medicamentos, o paciente teria uma alternativa pelo SUS.

“Hoje, 61% dos processos movidos vêm dos médicos particulares ou de planos de saúde, tem casos que nem chegam a testar o SUS”, declarou.

No ano passado, pacientes moveram 2.908 processos contra a Secretaria Municipal de Saúde em busca de medicamentos e tratamentos. Metade (1.450) exigiu remédios e bombas de insulina. Houve ainda 728 processos por pedidos de aparelhos para apneia do sono, 631 por fraldas e 99 ações judiciais por dietas e leites especiais. Para se ter uma ideia da “enxurrada judicial”, em 2003 a pasta foi acionada para atender somente 24 processos.

Diabetes

A vendedora Laira Cássia Giachetto, 30, conseguiu na Justiça, há cinco anos, a bomba de insulina e os insumos para o tratamento da filha diabética, Lívia Carolinny, hoje com 6 anos.

Se tivesse que custear tudo, Laira contabiliza que gastaria em torno de R$ 7 mil por mês – só as três caixas do sensor usadas pela garota para fazer a medição da insulina a cada cinco minutos custam quase R$ 5 mil.

“Não teria a mínima condição de pagar o tratamento”, conta Laira. De acordo com a vendedora, o pior é que, mesmo com a decisão judicial favorável, o fornecimento ainda falha. “Há dois anos minha filha ficou sem o sensor, deu hipoglicemia e ela desmaiou.”

Estado gasta cinco vezes mais

Os gastos do governo do Estado com medicamentos e tratamentos obtidos por pacientes via judicial aumentaram cinco vezes na região de Ribeirão Preto entre 2010 e 2015 – saltaram de R$ 3,7 milhões para R$ 18,5 mihões (leia mais no quadro).

A Cidade questionou anteontem a Secretaria de Estado de Saúde sobre os gastos de 2016 e pediu entrevista com um porta-voz para tratar sobre a judicialização, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Comissão avalia demanda judicial

A Secretaria Municipal de Saúde criou a Case (Comissão de Análise de Solicitações Especiais) em 2002, grupo que informa à Justiça quais medicamentos e tratamentos o SUS oferece na fase anterior ao processo. Um dos objetivos do trabalho é evitar o ingresso de ações judiciais.

“O Judiciário aciona a comissão antes de entrar com o processo, mas tem casos que não passam pelo órgão, como no plantão, em que juízes plantonistas desconhecem a comissão”, declarou a farmacêutica Giulliene Trajano Silveira.

Mesmo assim, há pacientes que ganham na Justiça casos que não têm relação com tratamento medicamentoso. “Neste mês uma paciente conseguiu uma liminar que exige produtos curativos e gaze, que o SUS fornece, e leite de caixinha, que entendemos ser uma questão social, não de saúde”, exemplificou.

Em março deste ano, a secretaria criou uma coordenação da demanda judicial, em que um assessor jurídico foi contratado para auxiliar os procuradores do município na defesa de processos por medicamentos e tratamentos.

Judicialização tende a crescer

A tendência é crescer o número de processos, já que a solução para o problema estaria na boa vontade do governo em aumentar os repasses do SUS. A tendência, no entanto, é que o valor diminua. A explosão de ações judiciais tem a ver com o maior número de desempregados nos últimos anos. São pessoas que perderam o plano de saúde das empresas e tiveram de bater na porta de um sistema público de saúde precário. Há pacientes com câncer, por exemplo, que precisam ajuizar ações para exigir o cumprimento de uma lei que obriga o início do tratamento em 60 dias. Tem paciente que espera há quase quatro anos por uma prótese no braço, entrou com ação judicial esse ano e até agora não conseguiu. As ações infundadas exigindo do município ou do Estado medicamentos e tratamentos são minoria entre o total de processos movidos contra o poder público.”

(Análise de Claudineia Jonhsson, advogada especialista em direito à saúde) 



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