As vítimas do carro prata em Ribeirão Preto

14/08/2017 08:03:00

O que toda a cidade sabe é que os atentados foram deflagrados três horas depois de o PM Roberto Abramovicius ser executado

Thiago Roque
NOITE DE 23 DE JUNHO - Encapuzados abrem fogo contra três rapazes no cruzamento da Rio Negro com a rua Itajubá, no Ipiranga, e matam 2 (foto: Thiago Roque / A Cidade)

 

Bruno, 16 anos, era estudante. Elias, 45 anos, vendedor de tapetes. Mecânico, Fabinho, 34, queria abrir a própria oficina. Adam trabalhava num lava-jato havia três anos. Os quatro foram mortos a tiros durante a onda de ataques que aterrorizou a zona Norte de Ribeirão Preto entre os dias 21 e 23 de junho.

Os tiros disparados por homens encapuzados a bordo de um carro prata ainda roubaram o movimento das pernas do servente de pedreiro Gustavo, 23 anos, e feriram o caminhoneiro Luiz Alberto e outros dois menores não identificados pelo A Cidade. Das nove vítimas, apenas um tinha passagem policial por tráfico de drogas. Passados mais de 50 dias dos atentados, sobreviventes e familiares dos mortos ainda buscam a causa de tanta violência.

O que a toda Ribeirão Preto sabe é que os atentados foram deflagrados três horas depois de o PM Roberto Abramovicius, o Brama, ser executado com dois tiros, mas a Polícia Civil diz ainda não ter nada que sustente relação entre os casos. Já o Ministério Público informa que nem é possível dizer que todos ataques partiram dos mesmos autores. Enquanto as respostas não chegam, moradores do Ipiranga agonizam em silêncio .

O barulho dos tiros que ficaram marcados nas paredes e na árvore do cruzamento das ruas Itajubá com Rio Negro ainda ecoa nos ouvidos do jovem Alef Barbosa de Oliveira, 23 anos, e é a causa de pesadelos frequentes.

Era fim da noite do último dia 23 junho. Ele e um grupinho de amigos conversavam na calçada de casa, hábito da maioria dos jovens da rua, quando um carro prata parou e dele, rapidamente, desceram quatro homens com rostos cobertos por capuz e máscara atirando.

Quem conseguiu correr, escapou com vida. Elias David da Silva, 45 anos, que estava de costas para a rua não conseguiu perceber a presença dos atiradores e, sem chance de defesa, levou seis tiros. Um deles abriu um buraco em seu rosto quando se virou para ver porque os amigos saíam pulando.

Adam Pires de Mesquita tentou correr, mas levou dois tiros nas costas e também caiu morto no local.
Alef, mesmo baleado nas nádegas e no braço, ainda achou forças para escapar em velocidade máxima e se esconder das rajadas dentro de casa.

- Estou vivo por um milagre. Tenho certeza que foi Deus que me salvou-, diz o jovem que, uma semana depois de sobreviver ao violento ataque, decidiu se converter e buscar amparo numa igreja evangélica

Paraplégico

Dois dias antes, no dia 21 – o mais sangrento do ano – ocupantes de um carro com as mesmas características – prata e de pequeno porte -, tocaram terror na região Norte do Ipiranga. Agindo de surpresa, à luz do dia, fizeram outras seis vítimas em três diferentes ataques.

Desde aquela tarde, a comerciante Maria das Graças Sebastião Alves, 65 anos, não passa um dia sequer sem se lembrar da saraivada de balas que feriram três jovens, dois deles menores de idade, e um homem de 61 anos que estavam em sua lanchonete.

O ataque não matou ninguém, mas deixou Gustavo dos Santos Mazini, 23 anos, com grave risco de ficar paraplégico em pleno auge da vida.

Fazia pouco mais de dez minutos que Gustavo se juntara a outros dois colegas na lanchonete quando foi atingido por uma rajada de 9 milímetros disparada pelo passageiro encapuzado do carro prata. Tomou três tiros nas costas. Até hoje não sente e não movimenta nada da cintura para baixo.

Duas horas antes, às 12h30, o adolescente Bruno Henrique Januário Dias, de 16 anos, seguia pela rua Tabatinga quando recebeu vários tiros nos braços e nas pernas disparados por um homem encapuzado que estaria no banco traseiro também de um carro prata. Dois disparos fatais atingiram a lateral do tórax: um perfurou o coração e o outro o pulmão do adolescente.

- Estávamos aqui esperando a marmita chegar para almoçar e ele falou que ia dar uma saída rápida. Nunca mais voltou, quando o reencontrei ele já estava morto na maca da UPA -, diz a mãe Ana Paula Januário, 35 anos, em prantos.

Minutos depois, a pouco mais 1,2 quilômetro de distância dali, três homens encapuzados a bordo de um carro prata abriram fogo contra três rapazes que estavam sentados sob uma árvore à beira da linha do trem na rua José Monteiro, no Simioni.

- Os dois meninos se jogaram ladeira abaixo nos trilhos do trem e evaporaram. O Fabinho (Fábio Henrique de Oliveira) não teve a mesma sorte. Levou um tiro de 12 no rosto, fez um rombo -, conta um amigo de infância que chegou ao local segundos após o carro dos atiradores sumir de vista.

A Cidade

Ataques sucederam morte de policial militar

A série de ataques que deixou quatro mortos e um com risco de ficar paraplégico na zona Norte de Ribeirão Preto foi deflagrada menos de três horas depois do assassinato do policial militar Roberto Pereira Abramovicius, o Brama,  38 anos, no último dia 21 de junho. 

Os quatro atentados ocorreram num raio de, no máximo, cinco quilômetros do posto onde o PM foi morto com dois tiros na cabeça, no cruzamento das ruas Itajubá com Américo Batista, no Ipiranga (veja mapa acima). 

Três dos quatro ataques ocorreram em plena luz do dia, com sol a pino, justamente no horário em que a região estava coalhada de policiais à caça do assassino de Brama. Sinal claro para familiares e vizinhos das vítimas de que os ataques foram cometidos por quem não tinha medo ou tinha a certeza de que não seria preso pelo crime. 

Depois da morte do policial, choveu viatura por aqui. Quem ia ser o louco de sair matando exatamente naquela hora? Você não acha isso estranho, para nos está claro que isso veio da polícia, disse o parente de uma das vítimas.

Com exceção do adolescente Bruno Henrique Januário Dias, 16 anos, assassinado enquanto caminhava sozinho pela rua Tabatinga, todas as outras estavam reunidas em grupo conversando na calçada em frente de casa ou algum bar. 

 



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