Prefeitura de Ribeirão é obrigada a matricular 4 crianças por dia

09/08/2018 07:44:00

Fila cresce a cada dia e, hoje, conta com 4,2 mil pedidos, que podem levar mais de um ano para serem atendidos em creches municipais ou conveniadas

Cristiano Pavini
Júlia Fernandes
 

Karina da Silva é uma das 4,2 mil pessoas na fila por uma vaga nas creches municipais e conveniadas (foto: Weber Sian / A Cidade)

Esta reportagem tem a garantia de apuração ACidade ON.  
Diga não às fake news!


A Prefeitura de Ribeirão Preto foi obrigada pela Justiça em 2018 a matricular, ao dia, em média quatro crianças em creches municipais ou conveniadas.  

 As determinações judiciais são resultado de ações movidas pelo Ministério Público e Defensoria Pública para atender famílias que não podem aguardar na fila de espera que cresce a cada dia e, hoje, conta com 4,2 mil pedidos, que podem levar mais de um ano para serem atendidos. 

Para atender às determinações judiciais, porém, a Prefeitura não cria novas vagas, inflando as unidades já existentes.
 Conforme A Cidade revelou em maio, uma em cada seis turmas de creche da rede municipal estava com mais alunos do que o permitido pelas regulamentações do município. As conveniadas também reclamam, segundo seus representantes, de lotação acima da capacidade.  

A falta de vagas também sobrecarrega os Conselhos Tutelares, que acabam originando a maior demanda de ações ao encaminharem os pedidos de vaga ao MP.  

Segundo Luís Fernando Rodrigues de Oliveira, as demandas por creche tomam 80% do tempo dos conselheiros tutelares que são responsáveis por zelar pelos direitos da criança e do adolescente, atuando também em casos de violência física e psicológica, abandono, maus-tratos, entre outros.  

Na semana passada, os três Conselhos Tutelares do município realizaram um movimento inédito: ingressaram com uma ACP (Ação Civil Pública) na Justiça contra a Prefeitura. Alegando que estão "desesperados", eles exigiam que a Prefeitura matriculasse as crianças imediatamente após a solicitação das famílias, sem necessidade de intervenção judicial, mediante construção de novas unidades ou convênios.  

Justificaram, na ACP, que as determinações judiciais, embora "louváveis", acabam criando uma espécie de fura-fila institucional. "Uma criança que está na 35ª colocação na lista de espera, com o pedido liminar de vaga deferido, automaticamente se sobrepõe ao direto daquelas crianças que aguardam na fila de espera como 1º colocado, e assim ocorre sucessivamente", afirmam os conselheiros no documento.  

O processo foi extinto na tarde de ontem pelo juiz da Vara da Infância e Juventude, Paulo César Gentile, por uma questão formal: o magistrado apontou que a legislação não permite que o Conselho Tutelar proponha, diretamente, uma ACP.  

Os conselheiros dizem que vão aguardar ter acesso à decisão oficial para tomar providências. Segundo eles, a situação está no limite. "No início da vida, os direitos já são violados", lamenta a conselheira Rosemary Honório.   

Entenda como funciona (Infográfico: Gaspar Martins)

Mais de 8 meses de espera  

Mãe de dois filhos, Karina Aparecida da Silva, de 29 anos, teve que abandonar o emprego de assistente de produção para alugar um salão e conciliar os trabalhos: de mãe e manicure.    

A filha mais velha, de 7 anos, frequenta o ensino fundamental, mas o caçula, de 1 ano e 5 meses, ainda não conseguiu uma vaga em creche. O primeiro pedido foi feito há mais de oito meses.    

"Ele não me atrapalha porque é meu filho, mas na qualidade do serviço, sim. Enquanto estou atendendo, pede colo, chora e quer atenção. E não tenho outra opção. A gente trabalha para ganhar um salário mínimo, e uma escola particular custa mais que isso. Eu e meu marido não temos condições".    

Segundo ela, a resposta recebida em diferentes setores, entre Secretaria de Educação e Assistência Social, é sempre a mesma: não há mais vagas disponíveis nas creches de Ribeirão Preto.  

Análise  

Vagas em condições adequadas 

"O impacto deste problema não é sofrido pelo município, mas pelas crianças e suas famílias. A atual legislação brasileira definiu que a creche, embora não seja obrigatória, é um direito, pois favorece a socialização e desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Quando são privados, muito se perde. Mas isso pode ser revertido em outras fases. A questão maior é a necessidade dos pais em ter de deixar seus filhos em um lugar com bons cuidados, acompanhados e bem alimentados enquanto trabalham. Agora, quando falamos de superlotação, também falamos da qualidade da oferta educacional em Ribeirão Preto. O município precisa oferecer vagas, mas é imprescindível que seja em condições adequadas para que, de fato, haja aprendizagem compatível com o esquema de ensino." (Ocimar Munhoz Alavarse
Professor da Faculdade de Educação da USP)  
 

Karina é manicure e espera por uma vaga para o filho há 8 meses (foto: Weber Sian / A Cidade)

Outro lado  

Em nota, a Prefeitura de Ribeirão Preto afirmou que "quatro creches já estão com os projetos executivos prontos ou em processo de licitação nas regiões Norte e Oeste, previstas para serem entregues até 2020".  

O município afirmou, também, que está "trabalhando efetivamente junto aos governos Federal e Estadual na busca de recursos para construção de novas creches, além de, para solução em curto prazo, buscarmos a ampliação de vagas na rede conveniada".  

O Palácio Rio Branco disse, ainda, que "no período entre 2017 e 7 de agosto, foram criadas 913 vagas em creches destinadas aos atendimentos de até 3 anos de idade, sendo 273 conveniadas."

Legitimidade controversa 

A legitimidade para o Conselho Tutelar propor uma ACP (Ação Civil Pública) é controversa. Três promotores de Justiça consultados pelo A Cidade afirmaram que o órgão não tem legitimidade, de acordo com a legislação, para ingressar diretamente com a ACP.  

Foi essa a argumentação do juiz Paulo César Gentile, ressaltando, ainda, que o processo foi protocolado pelos conselheiros tutelares sem o intermédio de um advogado. Dois professores de Direito Constitucional da USP, porém, afirmaram que o Conselho teria legitimidade.  

"Não vejo um impeditivo expresso, tendo em vista que é um órgão que atua diretamente em defesa de crianças e adolescentes quando o município se nega a cumprir um mandamento constitucional", diz o professor Rubens Beçak. Camilo Zufelato diz que a Lei da Ação Civil Pública, em seu artigo 81 inciso III, pode ser interpretada de forma a legitimar que o Conselho Tutelar, por ser um órgão da administração municipal, "pode propor uma ACP para tutela de qualquer interesse difuso coletivo ou individual homogêneo, desde que tenha pertinência com a questão", como é o caso das vagas em creche.  

É direito da criança, diz MP  

O promotor de Justiça da Infância e Juventude Alexandre Marcos Pereira ressaltou que a Constituição Federal é clara: toda criança tem direito a uma vaga em creche. Há três meses, ele veio de Campinas para Ribeirão Preto e já percebeu que o déficit é crônico no município.  

"Como medida emergencial, ingressamos com mandado de segurança para que a Prefeitura matricule as crianças e elas não tenham seus direitos violados", afirmou.  

O promotor Naul Felca, coordenador do Geduc (Grupo de Atuação Especial de Educação), diz que, dos 22 municípios da região, 21 firmaram algum compromisso para reduzir o déficit de vagas em creche. A exceção é Ribeirão Preto.  

"A Prefeitura não apresentou cronograma, não firmou TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) ou compromisso formal para, gradativamente, solucionar o déficit", diz Naul.



    Mais Conteúdo