Irregularidade coloca Caps em 'xeque'

29/09/2014 09:46:00

Entidade dona do espaço onde tratamento ocorre recebeu recursos de forma irregular, de acordo com Tribunal de Contas

Tiago de Brino / Especial
Tribunal de Contas diz que entidade dona de espaço onde está o Caps não pode mais receber recursos da prefeitura (foto: Tiago de Brino / Especial)

A constatação de irregularidade em repasses de verbas públicas e a negligência da prefeitura de Ribeirão Preto podem colocar em risco as atividades do Caps 3 (Centro de Atenção Psicossocial) e do Sanatório Espírita Vicente de Paulo. Juntas, as entidades atendem a cerca de 350 pacientes com transtorno mental, ao mês.

Em 2008, a prefeitura alugou do Sanatório o prédio onde funciona o Caps 3. Em vez de firmar contrato de locação, o Palácio Rio Branco, na gestão de Welson Gasparini (PSDB), realizou convênio de repasse de verbas para entidade filantrópica, o que foi mantido pela prefeita Dárcy Vera (PSD).

Os repasses entraram na mira do Tribunal de Contas do Estado (TCE) no ano passado. O órgão verificou que o Sanatório não prestou contas de R$ 72 mil que recebeu da prefeitura em 2011. O Palácio Rio Branco enviou recibos dizendo que o valor era referente a aluguel e pagamento de despesas, como vigilância e luz.

Para o TCE, a justificativa não foi convincente. “Os simples recibos acostados aos autos (...) não servem para comprovar os gastos de custeio (...). Ademais, não é crível imaginar que tais despesas giram em torno de um valor fixo”, afirmou o conselheiro Valdenir Polizeli em seu relatório.

O A Cidade apurou que o descontrole é tanto que o Caps 3 e o Sanatório possuem o mesmo relógio de luz, e que a prefeitura repasse uma “estimativa” dos gastos com energia elétrica.

Tanto a prefeitura quanto o Sanatório ignoraram o pedido de novas explicações feito pelo TCE, que no dia 14 de julho, em acórdão do colegiado, julgou os repasses como irregulares. O Executivo não entrou com recurso e o processo teve trânsito em julgado no dia 1º de agosto.

Segundo o acórdão, o Sanatório teria que devolver à prefeitura R$ 72 mil, em 30 dias. Como não fez o repasse, deverá ser inscrito na dívida ativa. A assessoria de imprensa do TCE diz que a entidade “por hora, de imediato, fica suspensa de receber novos valores e firmar novos convênios” com o poder público. Entre eles, o contrato de aluguel do Caps 3.

Apesar disso, a prefeitura diz que vai manter os repasses (leia abaixo). Se descumprir sem justificativa a decisão do TCE, representantes do Executivo podem responder até por improbidade administrativa. 

Entidade diz que fez alerta e não tem recursos

João Lucarini, coordenador administrativo do Sanatório Espírita Vicente de Paulo, diz que a entidade alertou a prefeitura, em 2008, que o convênio, e não um contrato de locação, poderia acarretar em problemas futuros. “Mas não deram atenção”, diz.

Ele afirma que a entidade só soube recentemente da decisão do TCE, e que  todas as prestações de contas do convênio foram enviadas à prefeitura. 

“Não temos R$ 72 mil reais para devolver. Vivemos com constante falta de recursos, por isso recebemos doações e fazemos eventos beneficentes. Além disso, a impossibilidade de firmar convênios será terrível”, diz.

A entidade presta assistência a 37 pacientes com transtorno mental, por meio de alojamento em oito residências terapêuticas. Para isso, além das verbas do aluguel do prédio do Caps 3, conta com repasses mensais da prefeitura.

“Se esses recursos forem bloqueados, não sei o que será de nós”, diz João.

Verba federal é perdida

Em outubro do ano passado, o A Cidade mostrou que a prefeitura havia perdido, em 22 meses, R$ 1,3 milhão de verbas federais por não ter cadastrado o Caps 3 junto ao Ministério da Saúde. Transcorrido quase um ano, a papelada ainda não foi enviada.

Com isso, a prefeitura deixa de receber R$ 84,1 mil mensais. Desde que a reportagem foi publicada, Ribeirão Preto deixou de receber R$ 925 mil em recursos.

O problema era um jogo de empurra-empurra iniciado em 2010 entre prefeitura e governo estadual sobre o Laudo Técnico de Avaliação, documento de engenharia que precisa ser enviado à Brasília.

Segundo o coordenador de Saúde Mental do Município, Alexandre Souza e Cruz, o laudo “finalmente” ficou pronto no fim de agosto. A previsão é que toda a documentação necessária seja encaminhada à Brasília no início do próximo mês.

Prefeitura diz que vai recorrer e manterá repasse

Em nota, a Prefeitura de Ribeirão Preto diz que vai recorrer da decisão do Tribunal de Contas do Estadi. Como perdeu o prazo para efetuar o recurso, terá que entrar com ação de revisão diretamente à presidência do TCE.

Apesar do tribunal dizer que o Sanatório Espírita está, por hora, impedido de receber verbas públicas, a prefeitura afirma que os repasses serão feitos. Em setembro, segundo o portal da transparência, R$ 118,5 mil foram repassados.

A prefeitura informa que os contratos anteriores com o Sanatório Espírita foram aprovados pelo TCE, nos mesmos termos do atual. Agora, sendo o Palácio Rio Branco, haverá adequação do termo de locação do Caps3.

“Não existe ‘plano B’. O Caps não tem previsão de sair para outro lugar. É preciso resolver essa situação de qualquer forma”, diz Alexandre Firmino Souza Cruz, coordenador de Saúde Mental do Município.

 



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