Fila de espera para saúde mental tem 120 pacientes

23/08/2014 10:30:00

Rapaz foi diagnosticado com esquizofrenia e transforma o dia a dia da mãe e irmãos em uma experiência apavorante

Lucas Mamede / Especial
Sandra de Jesus, com o filho, ao fundo; ela e os cinco filhos dormem em um quarto, com a porta trancada com cadeados, por medo de serem agredidos (Foto: Lucas Mamede / Especial)

Trancados, com uma corrente e um grosso cadeado prendendo a porta do quarto à parede: é assim que tem dormido, todas as noites, a família de Sandra Silva de Jesus, 47 anos, moradora do Quintino 2, bairro da zona Norte de Ribeirão Preto.

Ela aguarda uma vaga de internação psiquiátrica para o filho Lucas Silva de Jesus, 29 anos, há 15 dias. O jornal apurou que existem cerca de 30 pessoas de Ribeirão aguardando leito psiquiátrico e 120 em toda a região.

“Comecei a assar um frango ontem [anteontem] às 15h, mas só fui terminar às 22h, porque toda hora ele ia lá e desligava o fogão”, diz Sandra, demonstrando exaustão e com as mãos trêmulas de nervosismo, enquanto Lucas grita ameaças pelas costas dela.

“Moça, eu vou para a escola 12h40, é a única hora do dia que eu tenho paz”, diz a pequena Laura, 11 anos, de uma vez. “Se você ouvir as coisas que ele me xinga! Eu não posso falar nada, porque se eu falar ele vem para cima de mim” [sic].

Lucas teve a primeira crise de esquizofrenia aos 16 anos. Desde então, a mãe já perdeu as contas de quantas vezes ele já foi internado no hospital Santa Tereza. Da última vez, ele chegou a ficar seis meses. Lá, ele toma a medicação correta, o que não faz quando está em casa.

“Ele cheirou seis comprimidos do remédio que tinha de tomar e fica o tempo todo ameaçando a gente. Meu menino de 11 anos vê TV com um olho nele e outro no programa. A gente não tá vivendo”, desabafa a mãe.

Nos 30 minutos em que a reportagem ficou na casa de Sandra, Lucas passou o tempo todo proferindo palavrões à mãe, ameaçou matar todo mundo, disse que estava sendo envenenado, xingou a mãe de louca e usou diversos palavrões, além de ter ficado o tempo todo só de toalha, se recusando a vestir roupas.

“Meu marido não aguentou, foi embora. Ele vem todo dia para ver o filho e tem pagado as contas, mas está difícil para todo mundo”, afirma.

Desmaio

Sem dormir à noite, o filho de 10 anos de Sandra desmaiou durante a manhã no quarto. Ela espalhou colchões pelo cômodo e tem dormido trancada com as cinco crianças. Na geladeira ela também precisou instalar um cadeado, porque ela compra comida e Lucas joga tudo fora.

O outro filho de Sandra, de 25 anos, fez a mesma coisa que a mãe e instalou um cadeado para manter fechada a porta de seu quarto durante à noite. “Não tenho a quem recorrer e não sei mais o que fazer”, diz Sandra.

Entenda a Esquizofrenia

A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica que se caracteriza pela perda do contato com a realidade. 

A pessoa pode ficar fechada em si mesma, com o olhar perdido, indiferente a tudo o que se passa ao redor ou, os exemplos mais clássicos, ter alucinações e delírios.

Ela ouve vozes que ninguém mais escuta e imagina estar sendo vítima de um complô diabólico tramado com o firme propósito de destruí-la.

Existe tratamento medicamentoso que controla a doença, se diagnosticada no início.

Outro lado
Rapaz deverá ser internado na próxima semana

Em nota, o setor de comunicação da Diretoria Regional de Saúde diz que o paciente deve ser encaminhado para o hospital Santa Tereza no início da semana que vem. Segundo a nota, o paciente está sendo acompanhado e medicado pelo serviço municipal e paralelamente, o caso passa por avaliação de especialistas do hospital, onde eles providenciam a documentação necessária para internação.

“Vale lembrar que a política de saúde mental, preconizada pelo Ministério da Saúde, não prevê internação de longa permanência e que se dê de forma territorial. Conforme preconizado pelo Ministério da Saúde, a área de saúde mental e o atendimento psicossocial se concentram, sobretudo, nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), unidades gerenciadas pelas Secretarias Municipais de Saúde, com oferta de atendimento espontâneo (porta-aberta) e acompanhamento ambulatorial”, cita a nota.

A nota explica que dentro da rede psicossocial definida pela portaria ministerial 3.088 de 2011, a Secretaria de Estado da Saúde oferece atendimento por meio da rede hospitalar de atenção à urgência (pronto-socorro e enfermarias) e hospitais especializados. Dentro desses componentes, o Estado de São Paulo oferta aproximadamente 6,3 mil leitos de internação em 31 hospitais estaduais e conveniados. De acordo com a Reforma Psiquiátrica Brasileira (Movimento Antimanicomial), uma internação é solicitada somente aos casos mais graves e severos, seguindo, sobretudo, uma proposta terapêutica completa de acompanhamento.

O coordenador de saúde mental do município, Alexandre Souza Cruz, diz que pediu prioridade para o caso de Lucas.

ANÁLISE
Faltam leitos para esse tipo de paciente

“A internação é indicada quando o paciente está oferecendo riscos a ele e a terceiros, e quando ele não tem ciência do que está fazendo.

O que eu sempre defendo é que faltam leitos de hospitais gerais para internar esse tipo de paciente, que também está doente.

Não é só o Hospital Santa Tereza que pode disponibilizar leitos para essas pessoas. Os hospitais como a Santa Casa, a Beneficência Portuguesa aqui de Ribeirão deveriam oferecer a ampliação de leitos psiquiátricos.

Mas existe um preconceito muito grande em abrir leitos psiquiátricos nesses hospitais de leitos gerais”

Alexandre Souza Cruz
Coordenador de saúde mental



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