As belas do cárcere

16/08/2017 21:30:00

Miss Penitenciária elege a presa mais bonita do presídio feminino de Ribeirão Preto

 

Milena Aurea / A Cidade
As detentas Maiara, Taynara, Tainá e Bruna concorrem ao título de Miss Penitenciária (Foto: Milena Aurea/ A Cidade)

 

Há dois meses, o ritual de cuidados com o corpo e a ansiedade das jovens Maiara, Taynara, Tainá e Bruna estão mais intensos. Desde que se inscreveram para o Miss Penitenciária Ribeirão Preto, como qualquer outra candidata a um concurso de beleza, elas não passam um dia sequer sem caprichar no visual e sem malhar para tonificar braços e pernas.

As quatros jovens estão entre as 31 que desfilam nesta quinta-feira (17) na passarela montada no pátio do presídio para a escolha da detenta mais bela do presídio. Serão eleitas também a  mais simpática e duas princesas.

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No cárcere não tem academia nem salão de beleza, mas sobra vontade e criatividade. Nas mãos de Maiara e Taynara, os baldes de água viram halteres para definição dos músculos dos braços. O chão da cela é aparelho perfeito para as abdominais e o banho frio imposto pelas regras rígidas da cadeia um ótimo aliado para uma pele hidratada e um cabelo sem frizz.

“Desde que soubemos do concurso, a empolgação tomou conta da gente. Nossa conversa não é outra a não ser o concurso. É a oportunidade que vamos ter de usar uma roupa diferente, arrumar o cabelo, fazer uma maquiagem. É uma ansiedade só”, diz Maiara, de 24 anos.

Uma parceria com uma agência de modelo, lojas e salões vão levar dez cabeleireiros e maquiadores ao presídio para preparar as candidatas para o desfile. As lojas  vão emprestar os trajes de gala e os sapatos e presenteá-las com os maiôs.

Mayara conta que apesar de trabalharem durante o dia, todo o tempo que sobrou nos últimos 60 dias foi gasto com os preparativos. Os fins de tarde foram dedicados ao treinamento físico, e os sábados, como de praxe, é o dia da beleza.

As celas vira verdadeiros centros de estética: hidratação e chapinha nos cabelos, esfoliação no rosto e nas pernas, depilação, descoloração dos pelos, sobrancelhas, manicure e pedicure. Ufa! O sábado é curto para cuidar do corpo todo e uma ótima oportunidade de integração entre as detentas. Uma ajuda a outra.

A mais vaidosa

Maiara é, sem dúvida, a mais desinibida, vaidosa e cheia de truques das quatro candidatas. Tem receita para tudo: como deixar o cabelo impecável, a pele do rosto lisinha e hidratada, os cílios curvilíneos e espessos mesmo sem a máscara, proibida na prisão.

“Como a gente não tem rímel aqui, eu passo a sombra preta com a ajuda de uma escova de dente úmida. Dá o mesmo efeito.”
De cabelos castanhos longos, olhos esverdeados e lábios com batom cor de rosa, ela posa para fotos com muita desenvoltura. É forte candidata a um dos títulos. Brinca com o espelho e diz que o segredo para ter cabelo sempre hidratado é banho de água fria e creme uma vez por semana. 

Taynara faz calça unissex virar skinny

De pele alva e cabelos negros, Taynara se destaca no grupo com o sorriso perfeito. A vaidade está exposta até no uniforme prisional, que customizou à mão para deixá-la mais feminina e atraente. Bastou linha e agulha para que a calça cáqui unissex, recebida do Estado, virasse uma skinny, contornando coxas e panturrilhas.

“Nunca mais quero ver essa cor depois que sair daqui”, diz a jovem enfastiada.

Mas a liberdade ainda demora a chegar. Presa em flagrante por tráfico internacional, há três anos, recebeu pena pesada: 13 anos e 8 meses. ‘Pela lei do homem’, como diz ela, só terá direito à progressão de regime em 2019, mas junto ao recurso em Brasília, deposita em Deus a esperança de ser solta antes.

“Sou primária. Se eu pudesse voltar atrás jamais cairia nisso de novo. Por um momento de bobeira estou com a minha vida suspensa aqui dentro.”

Taynara trabalhava com a venda de produtos importados: perfumes, eletroeletrônicos. Quando viu, estava importando droga sintética. Foi pega com ecstasy.
Ela evita dar detalhes do crime, mas conta que foi detida na porta de casa, em Barretos, com o marido. Ambos receberam a mesma sentença.

Nesse tempo que está presa – que ela chama de eternidade – Taynara teve tempo para desenhar o futuro longe do crime. “Tudo o que quero é uma vida digna. Vou sair daqui e fazer faculdade de educação física. Quero ser personal trainer.”

Bruna quer vida longe do crime

As quatro candidatas entrevistas por A Cidade estão presas por tráfico de drogas. Três delas foram presas em flagrante com os respectivos maridos. A única detida sozinha foi Bruna. Ela mal tinha completado 18 anos e foi presa em flagrante na periferia de Pontal, um mês depois de entrar no submundo do tráfico. “Queria dinheiro para comprar roupa boa, sapato. Ilusão.”

Está há três anos presa e é a única das quatro que só recebe visita da mãe uma vez por mês. Perdeu o pai no ano retrasado e, apesar de ser muito apegada a ele, nem teve chance de ir ao velório, pois só recebeu a notícia por carta, quando o corpo dele já havia sido enterrado. Bruna diz que a prisão dela foi um choque para o pai, homem que trabalhou a vida inteira na usina da cidade. “Eu não precisava ter feito o que fiz. Fui atrás das más amizades.”

Agora, com a oportunidade do concurso, espera uma chance de ser vista e cooptada por algum caça-talentos da agência de modelo que vai promover o Miss Penitenciária. “Hoje sei que quero uma vida longe de tudo isso. Quero trabalhar, ganhar meu dinheiro e ver o que o destino tem a me oferecer no futuro.”

Tainá jamais pensou em desfilar

Quando soube do concurso de Miss Penitenciária, Tainá, 23 anos, nem procurou se aprofundar no assunto. Tímida, jamais pensou em desfilar numa passarela. Pelos cabelos longos e bem cuidados, acabou convencida pelos funcionários do presídio de que deveria participar. Aos poucos, foi contagiada pela empolgação das outras candidatas e ganhou gosto pela brincadeira. “Tenho muita vergonha. Mas agora eu quero ganhar.”

Tainá foi presa há 1 ano e 3 meses. Caiu numa interceptação telefônica num caso de tráfico internacional investigado pela Polícia Federal e ainda está respondendo ao processo. Sem nunca ter colocado a mão em droga, foi incriminada pelas conversas interceptadas entre ela e o marido. Numa das ligações, o marido ordena que ela faça um pagamento ilícito. Questionada se sabia que o que estava fazendo era errado, ela responde: “Sim, eu sabia que estava cometendo um crime.” Ela se casou aos 13 anos, início da adolescência. O marido, 13 anos mais velho, já tinha passagem pela polícia e pela cadeia. Hoje, Tainá trabalha na enfermaria do presídio e fala em ser dentista no futuro.


Objetivo do concurso é o resgate da dignidade

A psicóloga da unidade, Fabíola Meireles Israel Pessoa, diz que o Miss Penitenciária tem resgatado a autoestima e autoconfiança das presas, além de levá-las a refletir sobre o futuro fora da prisão.

“Inicialmente, eu não gostei da ideia do concurso, mas depois de ver o efeito que ele teve sobre as sentenciadas, mudei de opinião. É incrível como estão empolgadas”, diz.

Os requisitos para escolha das vencedoras serão beleza, simpatia, postura, elegância e desenvoltura. Todas as participantes receberão prêmios simbólicos.

Diretora técnica da penitenciária, Juliana Preti comenta que o concurso gerou mais disciplina e bom comportamento entre as presas.
 



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