Grafiteiros de Ribeirão Preto comentam polêmica em São Paulo

05/02/2017 13:33:00

Prefeitura de São Paulo mandou cobrir com tinta cinza o colorido da arte urbana registrada nos muros da Avenida 23 de Maio

Milena Aurea / A Cidade
Bro da Silva, grafiteiro há 12 anos, vê como desrespeito à arte a atitude do prefeito de São Paulo; clique para conferir galeria de fotos (Foto: Milena Aurea / A Cidade)

 

Em seus primeiros dias de governo, o prefeito João Doria (PSDB) tomou uma decisão que agitou o mundo cultural. Sua administração mandou cobrir de tinta cinza parte dos grafites da Avenida 23 de Maio, em São Paulo. As obras haviam sido autorizadas em 2014, pela gestão anterior.

CONFIRA GALERIA DE FOTOS

Sua atitude gerou tanta polêmica e reações nas redes sociais que, dias depois, Doria anunciou guerra aos pichadores e que vai criar um programa de grafite na capital. A cada três meses a prefeitura vai liberar espaços para promover grafiteiros, escolhidos por meio de uma comissão.

Uma proposta que chega a ser contraditória na opinião do grafiteiro ribeirão-pretano Lelin Alves, que há 17 anos se dedica à arte urbana. “Ele não respeitou o trabalho dos artistas. Agora está tentando se redimir”, diz.

Bro da Silva, grafiteiro há 12 anos, também vê como desrespeito à arte a atitude do prefeito de São Paulo. “Uma imagem resume mil palavras, o grafite passa uma mensagem. Não se pode considerar vandalismo, nem poluição visual”, declara.

Para o artista e grafiteiro Manolo Mateus a atitude de Doria reflete a falta de entendimento dos políticos com o universo dessa expressão visual e artística. “A intenção de aplicar uma medida que queira apagar a escrita popular que representa indignação, contra-autoritarismo e rebeldia diante de um sistema em colapso é, por baixo, inconsequente”, declara.

O urbanista José Antonio Lanchoti comenta que a arte urbana é uma arte viva. “A cidade se transforma, a sociedade se transforma e essa arte também precisa se transformar. Uma arte ser repintada e abrir espaço para novos artistas e grafites é positivo, se estiver danificada. A pichação em cima da obra também já é uma agressão ao grafiteiro”, opina.

Matheus Urenha / A Cidade
Lelin critica medida tomada pelo governo paulistano contra o grafite; clique e veja galeria de fotos (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

 

Grafite x pichação

Lelin e Bro ressaltam que a distinção entre pichador e grafiteiro é quase uma particularidade do Brasil, já que em outros países não há essa diferenciação de nomeclatura. Mas, por outro lado, comentam que os grafiteiros se apropriam da questão estética para expressar sua mensagem através do grafite, inserindo arte e cor ao cenário urbano. “No grafite busca referência em diversos estilos de arte e toma conta de um espaço que não vem sendo utilizado. Muda o cenário das pessoas, transforma, alegra.

Enquanto na pichação a intenção é marcar território e mostrar revolta. São posturas diferentes”, define Bro.

Como o grafite e pichação têm a mesma base de origem há, no Brasil, um ‘respeito’ de um grafiteiro com um pichador no sentido de um não sobrepor o trabalho do outro.

Bro detalha ainda que a pichação descende das runas bárbaras. “Muitas escritas dos pichadores se assemelham a essas letras. Esse tipo de alfabeto marginal é característico de São Paulo, no resto do País é diferente. Vejo como uma tipografia urbana.”

Sem combate

Para Manolo não se consegue combater pichação, mas sim construir caminhos para transformar pichadores em artistas. “Não se tenta neutralizar um movimento que já se provou autêntico e muito mais complexo do que podem avaliar os políticos. Não há como disciplinar uma legião com uma proposta de criticar, se comunicar, desenhar, marcar, ou qualquer outra forma de interagir com tintas ou sprays com a cidade. O ideal é encontrar alternativas – por via do diálogo -, possibilidades de crescimento no campo social”, diz o grafiteiro.

O urbanista Lanchoti diz que a pichação também á uma manifestação artística de alguém que quer chamar a atenção, de um grupo, quer deixar uma mensagem, deixar seu DNA. “A sociedade tem um regramento formal e até ordenador, considera como algo fora dos padrões e da sua realidade e passa a entender como transgressão. Revelando o preconceito”.

Mesmo não apreciando as pichações em prédios públicos e viadutos, o urbanista afirma que são legítimas, já que são expressões de pessoas que fazem parte da sociedade. “A sociedade não está discutindo o assunto como espaço legítimo, apenas nega essa manifestação. É uma questão que precisa ser avaliada em nível antropológico, já que não adianta criar ambientes, porque eles não aceitam o regramento”, opina.

Sem projetos ou restrições

Em Ribeirão Preto não há projetos em relação ao grafite. A Secretaria Municipal da Cultura informou que não há restrições quanto ao trabalho de grafitagem, desde que sejam obedecidas todas as normas vigentes. E que adotará a política de construir aos artistas uma política cultural com projetos e programas que serão implementados.



    Mais Conteúdo