'Farra' na Coderp inclui adicional de 85% nas férias e sobra de comissionados

12/01/2017 11:52:00

Há 20 anos, servidores da companhia ganham adicional de férias 'exagerado', enquanto trabalhador comum recebe só 1/3 a mais

Weber Sian / A Cidade
Coderp foi alvo de devassa pela PF em setembro do ano com a Sevandija (Foto: Weber Sian / A Cidade)

 

Relatório divulgado pela equipe de transição do prefeito Duarte Nogueira (PSDB) escancarou uma verdadeira ‘farra’ de benefícios trabalhistas aos servidores e irregularidades nas finanças da Corderp (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Preto).

Um dos benefícios classificados como ‘exagerados’ pelo relatório é o pagamento de um adicional de 85% sobre o salário das férias dos servidores de carreira. O trabalhador do regime privado, por exemplo, recebe um adicional de 1/3 sobre o salário de férias.

A Cidade apurou que os funcionários têm direito a esse benefício privilegiado há 20 anos. Somente em 2016, o impacto na folha da Coderp com o pagamento do adicional de férias chegou a R$ 777,7 mil.

A equipe de transição identificou ainda que a Coderp, um dos núcleos de corrupção identificados pela Operação Sevandija da PF, mantém uma dívida com o Fisco na ordem de R$ 125 milhões, faz vistas grossas ao calote de R$ 65 milhões da Prefeitura e mesmo após a operação da PF, mantém um excesso de comissionados.

Especialistas em administração pública criticam o valor alto de abono de férias pago pela empresa de economia mista de Ribeirão por entender que ele destoa muito do valor do abono de 1/3 sobre o salário pago pelos órgãos públicos e empresas privadas.

Imoral

O especialista em administração, Guilherme Lopes, avalia que o benefício exagerado pode contribuir para agravar a crise financeira da companhia.

“Defendo uma reestruturação na Coderp para acabar com esses tipos de abusos com o dinheiro público. O problema é que a Constituição Federal não estabelece um teto máximo para o pagamento do abono, mas apenas o mínimo, de um terço. Entretanto, o pagamento pode não ser ilegal, mas é imoral”.

A mestre e doutora em administração pública, Fernanda Marinela, concorda que o benefício coloca em risco a saúde das finanças da Coderp. “É preciso ter o equilíbrio entre a receita e a despesa. Esse pode ser um dos fatores que levaram a Coderp a a mergulhar em uma crise”, disse.

Pagamento continua

A atual superintendente da companhia, Guatabi Bernardes Costa Bortolin, já admite que não reduzirá o valor pago pelo abono de férias. “Dada a habitualidade do pagamento, a legislação trabalhista impede sua cessação. Esses valores integram há muito tempo os custos da Coderp”, afirma.

O presidente da região do SindPD (Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados e Tecnologia da Informação), Carlos do Carmo Silva, afirma que não há qualquer ilegalidade no pagamento do abono porque está previsto em convenção coletiva. “Foi algo que passou por uma negociação. É um direito dos trabalhadores. Se reduzirem esse valor, vamos recorrer à Justiça”, afirmou.

Weber Sian / A Cidade
'A nossa meta para recuperar financeiramente a Coderp será receber os haveres, parcelar e pagar os débitos e buscar alternativas de ampliação da receita da companhia', diz Guatabi Bernardes Costa Bortolin, superintendente da Coderp (Foto: Weber Sian / A Cidade)

 

Coderp: dívida de R$ 150 milhões

Com uma dívida de R$ 150 milhões, incluindo R$ 125 milhões só com o Fisco, a nova superintendente da Coderp, Guatabi Bernardes Costa Bortolin, afirma que sua estratégia para salvar a companhia será a de parcelar e pagar os débitos. Guatabi tem a missão ainda de conseguir receber uma dívida de R$ 65 milhões da prefeitura, que o governo da ex-prefeita Dárcy Vera (PSD) não contabilizou.

Para reconstruir a Coderp, a superintendente pretende buscar novas alternativas de ampliação de receita. O problema é que a companhia não tem a Certidão Negativa de Débitos, o que a impede de participar de concorrência pública, como expandir a prestação de serviços na área de informática para prefeituras da região.

O relatório divulgado pela equipe de transição sugere a separação da parte operacional da Coderp em outro CNPJ, mantendo as dívidas e bens no atual CNPJ.

Benefício elevado vem de 96

Ex-superintente da Coderp na gestão de Welson Gasparini (2005-2008) e atual secretário de Planejamento de Nogueira, Ruy Salgado (PSDB), afirma que o pagamento de abono de 85% é abusivo, mas não se lembra o motivo de não ter reduzido o índice, quando esteve no comando da companhia.

Já a atual superintendente era Diretora de Informática. “Quando eu assumi a Coderp, ela estava quebrada. Consertei muitas coisas, mas outras passaram.”

Desde 1996, quando foi concedido o pagamento de abono de férias acima de um terço, se passaram pela companhia de desenvolvimento 15 superintendentes. E todos eles, segundo o SindPD, ratificaram o pagamento do abono, que começou na proporção de 70%, em convenção coletiva anual. Dos superintendentes, alguns já faleceram e outros foram presos pelas Operações Sevandija e Lava Jato, como Davi Cury e Jucelino Dourado, respectivamente.

Análise>>>‘Será difícil os trabalhadores abrirem mão’

“Não há qualquer ilegalidade por parte da companhia em pagar um adicional de férias de 85%, já que a Constituição Federal fixa o mínimo de um terço. É um benefício conquistado e ratificado em convenção coletiva. Entretanto, não acho correto pagar um adicional nesta proporção se a empresa tem dificuldades de honrar outros compromissos e acumula uma grande dívida. Pelo lado empresarial, é bastante ruim essa situação e precisa ser corrigida.

Para reduzir essa porcentagem, deverá ocorrer uma nova convenção coletiva, com a proposta de redução e ser aprovada pela categoria. Entretanto, acho bastante difícil os trabalhadores abrirem mão desse valor atual. Cabe a Coderp fazer uma análise administrativa sobre a viabilidade ou não continuar com a concessão do adicional de 85% até mesmo para equilibrar suas finanças.

Athus José Lobado Fernandez, advogado e especialista em direito trabalhista

Arte / A Cidade



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