Ação contra agressão na Fundação Casa pede R$ 4,4 milhões

28/06/2016 12:10:00

Ministério Público vai à Justiça contra espancamento sofrido por 63 jovens em unidade de Ribeirão Preto, em janeiro deste ano

O Ministério Público quer que a Fundação Casa seja condenada a pagar, no mínimo, R$ 4,4 milhões devido a agressões sofridas por 63 jovens na unidade Rio Pardo, em Ribeirão Preto, em 27 de janeiro deste ano.

Como A Cidade mostrou à época, os internos foram espancados enquanto estavam em posição de “caixote” (sentados e com a cabeça entre as pernas) por ao menos sete funcionários, que desferiram socos, pontapés, tapas e pauladas com pedaços de madeira.

Na ação civil pública, o promotor Ramon Lopes Neto diz que o caso é “totalmente incompatível com o Estado Democrático de Direito”, “lesionou flagrantemente” a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e foi uma “afronta” ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Ele quer que o valor da condenação – equivalente a cinco mil salários mínimos – seja revertido ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. O processo tramita na Justiça desde o mês passado sob segredo de Justiça.

No inquérito, ao qual o A Cidade teve acesso, laudos de corpo de delito confirmaram a existência de lesão corporal em 32 jovens – mesmo com os exames tendo sido realizados apenas a partir de cinco dias após as agressões.

“Minha visão escureceu”, afirmou à reportagem um dos jovens espancado pelos funcionários e que, hoje, está em liberdade. Ele teve de ser encaminhado a uma Unidade de Saúde cinco dias depois para tomar duas injeções devido às dores no corpo.

Ameaça

Nos depoimentos ao MP, os garotos relataram que, na manhã seguinte ao espancamento, foram chamados ao pátio para uma conversa com o diretor da unidade, Cléber Leandro Miguel. Ele teria, então, ameaçado os internos com represálias, incluindo novas agressões, caso contassem o que ocorreu para familiares ou psicólogas da Fundação.

Assim como outros cinco funcionários, Cléber foi afastados das atividades pela Corregedoria da Fundação Casa.

O caso também é investigado pela promotoria no âmbito criminal e os agentes podem responder por crime de tortura. A Defensoria Pública informou que irá ingressar com ações indenizatórias contra o Estado para cada um dos jovens agredidos.

Matheus Urenha / A Cidade
Adolescente que apanhou na Fundação teve que tomar injeção (Foto: Matheus Urenha / A Cidade)

 

‘Muitos choraram à noite’

“Realmente não precisava daquilo”, diz um jovem de 19 anos que sofreu as agressões no dia 27 de janeiro. Segundo ele, a briga entre dois adolescentes – que originou a confusão – já estava controlada. “Estava tudo tranquilo, mas aí [os agentes] chegaram com os paus na mão.”

Ele diz que levou uma paulada na cabeça quando estava sentando que “escureceu a visão”. Em seguida, levou pontapés e tapas. “Eu sou forte, aguentei bem. Mas os garotos mirrados, alguns de 13 anos, gritaram de dor. Muitos choraram à noite”, diz. Ele teve que tomar duas injeções para aliviar a dor cinco dias após o ocorrido.

Em 11 meses de “caminhada” (internação), ele diz que essa foi a primeira vez em que houve agressão coletiva. “Eles [agentes] preferem dar porrada individual. Descem a gente para o Módulo 3 [espaço dentro da Fundação] e batem lá, sem ninguém de testemunha”.

Segundo ele, a Fundação Casa “só revolta”. “Hoje, mudei minha vida por causa dos conselhos dos meus pais. Lá dentro, não tem ajuda: a maioria sai pior do que entrou”.
Ele só foi passar por exame de corpo de delito uma semana após as agressões. “Disseram que não tinha van para levar antes.”

A mãe de um garoto que levou paulada com madeira em janeiro diz que o filho tem um caroço na nuca até hoje. “Ele foi para a Fundação para melhorar, e não apanhar.”

“Entrei em choque quando vi o estado dele”, diz a mãe de outro jovem, que é de Franca. O garoto estava, à época, com os dois braços roxos e reclamava de dor nas costas e na cabeça devido às pauladas. “Eles erraram e estão na Fundação para pagar pelo o que fizeram. Apanhar só atrapalha.”

Funcionários revelam que têm ‘medo’

No boletim de ocorrência lavrado por um funcionário da Fundação Casa apenas oito dias após o ocorrido, consta que alguns agentes foram agredidos pelos jovens.

“Dá um medo muito grande do que pode ocorrer com a gente”, diz o funcionário no registro policial, relatando que, naquele momento, “não tínhamos nenhuma segurança”. Ele cita, também, que alguns internos ameaçaram os funcionários gritando “aqui é o 15” – gíria utilizada em alusão ao crime organizado.

Em entrevista ao A Cidade, o Corregedor Geral da Fundação Casa, Jadir Pires de Borba, afirmou que “a Fundação Casa não compactua com nenhum tipo de agressão, seja ela física ou psicológica”. Ele diz que os funcionários envolvidos estão afastados do contato com os internos e exercem, agora, atividades administrativas. Eles respondem a processo administrativo e podem ser expulsos da Fundação.

A Cidade não encontrou o ex-diretor da Unidade Rio Pardo, Cléber Miguel.

Corpo de delito
“Presença de esquimose [mancha por extravasamento de sangue] roxa-esverdeada, medindo cerca de 5cm x 4cm, localizada [...] no braço esquerdo.”

Relatório do MP
“Disseram que, além de apanharem com pedaços de madeira, também foram vítimas de chineladas, socos, tapas na cabeça, no rosto e na nuca e chutes. [...] Todas as vezes em que levantavam a cabeça, eram agredidos.”



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