Gasto com ações judiciais na Saúde cresce 400% em 5 anos

05/05/2016 13:31:00

Despesa saltou de R$ 3,7 mi, em 2010, para R$ 18,7 mi em 2015, na região de Ribeirão Preto; Estado acusa custo 'desnecessário'

Mastrangelo Reino / A Cidade
A dona de casa Graziella Torres com o filho Pedro, 9 anos, que conseguiu na Justiça o tratamento para o diabetes tipo 1; no detalhe, menino mostra bomba de infusão de insulina fornecida por decisão judicial (Foto: Mastrangelo Reino / A Cidade)

As despesas da Saúde do Estado com ações judiciais para fornecimentos de medicamentos e tratamentos de saúde ajuizadas na região de Ribeirão Preto cresceram 400% nos últimos cinco anos. Os gastos saltaram de R$ 3,7 milhões, em 2010, para R$ 18,5 milhões no ano passado.

Segundo o Estado, esse aumento se deve a uma explosão de processos que têm sido ajuizados na região, a segunda do Estado com maior número de ações judiciais – uma média de 19,8 ações a cada 10 mil habitantes. No ranking estadual, a região só perde para Barretos.

Segundo a advogada Renata Santos, assessora técnica de gabinete da Saúde de Estado, o número de ações poderia ser menor se os médicos da rede privada prescrevessem remédios disponíveis na lista do SUS (Sistema Único de Saúde). 

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“São gastos absurdamente desnecessários. Sessenta por cento das ações contra o Estado são de pedidos de médicos particulares que desconhecem os medicamentos da rede.”

Outra crítica que a advogada faz é quanto às exigências das ações, que incluem até suplementos alimentares e cosméticos com marcas definidas.

Segundo a advogada, metade desses processos é destinada a atender um único paciente e, além disso, há pedidos de ao menos 83 itens sem relação à terapia medicamentosa como hidratantes, sabonetes, achocolatados e antissépticos bucais.

A Secretaria Municipal de Saúde, por exemplo, foi obrigada pela Justiça a fornecer, por sete anos, dois sabonetes íntimos Dermacyd e sete frascos de hidratante Nivea por mês a uma paciente acamada de 81 anos, vítima de AVC (acidente vascular cerebral). O processo discriminava as duas marcas.

“O SUS oferece tratamento de primeira linha para escaras (feridas), que é o óleo AGE, ou seja, o hidratante não é adequado, é um cosmético, não é medicamento. E o Dermacyd é um produto de higiene, não para a saúde”, critica Giulliene Trajano Silveira, farmacêutica do município.

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Insulina

Mas há casos como o do menino Pedro Torres, 9 anos, com diabetes tipo 1, em que a sentença judicial melhora a qualidade de vida do paciente.

No ano passado, ele conseguiu a bomba de insulina e os insumos para o tratamento contra a doença.

Com o aparelho, ele monitora a taxa de glicose por 24 horas após o garoto sofrer uma hipoglicemia severa em dezembro de 2014. 

No Estado, custo é de R$ 1 bi

Hoje a Secretaria da Saúde gasta, em todo o Estado, R$ 1 bilhão por ano para atender as demandas judiciais, beneficiando cerca de 47 mil pacientes. “Gastamos, ao ano, para atender todo o Estado, R$ 600 milhões em assistência farmacêutica”, compara Renata Santos, assessora técnica de gabinete da Secretaria de Estado da Saúde. Esse valor, segundo a pasta, serve para atender 700 mil pacientes.

Número de ações explode

Em 12 anos, a Secretaria Municipal de Saúde registrou uma explosão no número de processos judiciais reivindicando medicamentos. Em 2003, a pasta foi condenada a gastar R$ 645 mil para atender 24 processos do tipo.

Em 2015, R$ 1,63 milhão do orçamento da pasta foi destinado a atender 3.630 sentenças judicais, um crescimento de 252% no valor gasto no período. Hoje, 10,5% do total gasto com assistência farmacêutica é destinado para arcar com os pedidos judiciais.

A farmacêutica Giulliene Trajano Silveira explica que a pasta vem tentando desafogar as demandas judiciais. Em junho do ano passado, foi criado um programa de atendimento administrativo para pacientes que exigiam fraldas.

“Antes da implantação desse programa, respondíamos a 700 ações judiciais movidas nos últimos anos reivindicando fraldas. Depois da implantação, não entraram mais novas ações”, explica.

Pacientes que buscam fraldas devem procurar diretamente o Fundo Social na Cerqueira César, 383.

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Bomba ajuda Pedro a controlar diabetes

A dona de casa Graziella Torres, 32, entrou com ação na Justiça em maio do ano passado para conseguir uma bomba de infusão de insulina e os insumos para atender o filho Pedro, 9 anos, com diabetes tipo 1. O equipamento monitora por 24 horas a quantidade de insulina no sangue e, com isso, previne episódios de hipo e hiperglicemia.

A liminar foi obtida na Justiça em julho de 2015 e o equipamento e os insumos chegaram em setembro do mesmo ano.

Segundo Graziella, a bomba foi a melhor opção após um susto ocorrido com o filho em dezembro de 2014. “Pedro teve uma hipoglicemia severa que ocasionou parada cardiorrespiratória. Na época ele demorou seis horas para conseguir voltar a falar.”

Após esse episódio, o médico orientou a família adotar a bomba de infusão para haver um monitoramento constante. “Depois que ele começou a usar a bomba, não houve mais nenhuma crise, a segurança é muito maior”.

Graziella acrescenta que não teria condições de custear o equipamento, que custa cerca de R$ 15 mil.

O sensor, os cateteres, o reservatório da insulina e a insulina são retirados todo mês por determinação judicial. “A manutenção totalizaria cerca de R$ 1,7 mil ao mês”, contabiliza.

Rumo à regionalização

A Secretaria de Estado da Saúde pretende implantar, nos próximos meses, um atendimento regionalizado para os pacientes que reivindicam medicamentos ou tratamentospor meio de processos administrativos no DRS (Departamento Regional de Saúde).

Hoje, o pedido é feito no DRS de Ribeirão, mas a análise é feita por técnicos da Capital. Com a implantação do serviço, haveria técnicos trabalhando dentro do departamento.

“Com essa mudança os pacientes seriam atendidos imediatamente e haveria um ganho porque isso agilizaria o atendimento”, explica a advogada Renata Santos, assessora técnica de gabinete da Secretaria de Estado da Saúde.

Em 2002 foi criada em Ribeirão a Comissão de Análise de Solicitações Especiais, um órgão consultivo composto por técnicos da Secretaria Municipal da Saúde, do DRS e do Hospital das Clínicas cujos pareceres balizam as ações do Ministério Público.

No ano passado, a comissão analisou 613 demandas por medicamentos. Dessas, 217 (35,4%) receberam parecer favorável e 396 (64,6%) desfavorável. Desse último grupo, 20% (79) evoluíram para ações judiciais movidas pela Promotoria de Saúde Pública, mesmo com parecer contrário.

Análise>>>Processos devem ser aprendizado

“Um dos motivos da ampliação dos gastos com a judicialização da Saúde é que as pessoas têm cada vez mais conhecimento de que a Justiça é uma via para se conseguir medicamentos ou tratamentos. É preciso, no entanto, verificar a qualidade das ações. Há processos forçados que fogem do minimamente razoável pedindo, por exemplo, fraldas, ou medicamentos ainda sem registro na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], como a fosfoetanolamina. Mas existem as ações razoáveis que são movidas por erro de gestão ou de logística por parte do Estado. Nesses casos, os processos devem ser olhados pelo gestor como um aprendizado. Hoje há um desalinhamento entre o que é prescrito pelo médico e o que é coberto e isso deve ser mais bem estudado, mais bem avaliado para que se chegue a um alinhamento entre a classe médica e os órgãos que definem a assistência farmacêutica. Com isso, haveria um declínio da judicialização”.

Tiago Farina Matos, advogado especialista em direito à saúde



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