No trânsito de Ribeirão, bicicleta é mais rápida

05/07/2015 11:34:00

Experiência prova estudo: duas rodas são mais velozes em centros urbanos

F.L.Piton
O cicloativista Renato Tatu, 36 anos, defende a adoção da bicicleta como meio de transporte no trânsito de Ribeirão

O cicloativista Renato Tatu, de 36 anos, salta satisfeito da bicicleta após finalizar o trajeto pelas principais vias da região central de Ribeirão Preto. “É muito bom sentir e observar a cidade”, afirma. Sem pressa, ele percorreu 6 km por trechos das avenidas Jerônimo Gonçalves, Francisco Junqueira e 9 de Julho em 17 minutos, em uma velocidade média de 20 km/h. Nenhum dos pontos possui ciclofaixa. 

A reportagem do A Cidade levou 20 minutos para percorrer o mesmo trajeto de carro, no horário de pico, ao final da tarde. Ao contrário de Renato, este repórter não estava nada contente. O trânsito lento e congestionado, além do estresse, resultou em uma velocidade média de 18 km/h.

“Querer melhorar o trânsito ampliando a largura das vias é como resolver a obesidade alargando o cinto da calça. É necessário acabar com a ditadura do automóvel”, diz Renato.

Segundo a publicação “Cidades para Bicicletas, Cidades para o Futuro”, editada pela União Europeia, em uma rua de 3,5 metros de largura conseguem circular, em média, 2 mil pessoas de carro por hora. De bicicleta, o número é seis vezes maior: 14 mil.

O estudo afirma que “a bicicleta é sobretudo mais rápida do que o automóvel em trajetos urbanos curtos (5 km ou mais, à medida que aumentam os congestionamentos de circulação)”. “Já não é mais possível a definição de uma política ancorada prioritariamente nos deslocamentos por automóvel”, afirma o Plano Municipal de Mobilidade Urbana de Ribeirão Preto.

As políticas de incentivo ao transporte cicloviário ganharam força com as medidas implementadas pela prefeitura de São Paulo, que implantou 283 km de ciclovias desde junho do ano passado. Na semana passada, foi a vez da tradicional Avenida Paulista ganhar um espaço para bicicletas. Segundo a prefeitura da capital, o número de ciclistas aumentou em 50% desde 2013.

Em Ribeirão, são apenas 10,2 km, mas outros 30 km estão previstos. “Aqui temos políticas públicas apenas para o uso da bicicleta como lazer. É preciso maior foco no seu uso como meio de locomoção”, opina Renato.
 
No Japão, ciclista não é desrespeitado - Por cinco anos, o autônomo Jorge Thino morou no Japão. Nas cinco cidades que viveu, a bicicleta foi seu principal meio de transporte. “Lá, a cultura é totalmente diferente, a população tem grande respeito pelos ciclistas”, explica.

Segundo ele, não havia nem necessidade de ciclovias. “Andava nas laterais das ruas e até nas calçadas”. Mesmo na neve, durante sua estadia na cidade de Matsumoto, ele pedalou.

Em Ribeirão Preto, entretanto, a bicicleta teve que ficar restrita ao lazer nos finais de semana. “Aqui é péssimo, muito buraco nas ruas e falta de respeito por parte dos outros motoristas”, reclama Thino.
Mas o principal problema é a segurança. “Acidentes podem ocorrer em qualquer lugar. No Japão já fui atropelado por um carro. Mas aqui, acima de tudo, somos alvo fácil de criminalidade”. 

Jorge foi dono de uma bicicletaria, onde toda semana um cliente reclamava de assalto. “É preciso dar mais proteção ao ciclista”.
 
Para urbanista, ciclovia provoca cidade compacta - O diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, Valter Caldana, diz que as ciclovias realizam, além da promoção da mobilidade, uma discussão do atual modelo de urbanização.

Segundo ele, as cidades estão se expandindo muito, deixando os serviços básicos – incluindo o transporte coletivo – mais caros. “A ciclovia tem o papel didático de provocar um outro modelo de urbanização, mais compacto”, diz.

Ele lembra que, até a década de 1970, a bicicleta era o principal meio de transporte nas cidades médias. Em Ribeirão havia, inclusive, emplacamento delas. “O que hoje é tido como uma novidade já ocorria lá atrás, mas foi deixado em segundo plano com o avanço da ‘carrodependência’. Nesse sentido, é necessário voltar ao passado”, diz.

O professor André Lucirton Costa afirma que o poder público deve incentivar o uso da bicicleta, inclusive para o lazer. “A bicicleta diminui a velocidade da nossa vida. Observamos mais o que está ao nosso redor e temos uma sensibilidade diferente da cidade”, diz.
 
Ciclista Carlito não precisou de CNH por toda a sua vida 

O porteiro Carlito José de Almeida, de 52 anos, nunca teve CNH (Carteira Nacional de Habilitação). E não pretende ter. “Uso somente bicicleta há mais de 30 anos. Não troco por nenhum carro”, garante.

Nem mesmo os três acidentes que sofreu – o último, em junho do ano passado, o deixou 20 dias afastado do trabalho após ser fechado por um ônibus – são suficientes para impedi-lo de pedalar os 8 km entre sua casa e o trabalho, diariamente.

Apesar da preferência de Carlito, as bicicletas respondem por apenas 2,8% dos deslocamentos feitos no município. Já os carros representam 41,9% do total, segundo dados de 2010 do Plano Municipal de Mobilidade Urbana.

O professor da USP André Lucirton Costa, que desenvolveu um projeto prevendo a criação de 84 km de ciclovias em Ribeirão Preto, diz ser necessário incentivar o uso de bicicletas. Ele mesmo, há cinco anos, trocou o acelerador do carro pelos pedais. “As cidades grandes estão cada vez mais conscientes de que o trânsito está ficando extremamente complicado, e uma alternativa de transporte coletivo eficiente, como metrô ou trem de superfície, são caros. Além disso, uma ciclovia ocupa espaço muito menor do que um corredor de ônibus”, afirma.
 
Lei que regula esse transporte é ignorada 

Se por um lado a prefeita Dárcy Vera (PSD) pode terminar seu mandato entregando os primeiros 40 km de ciclovias da história de Ribeirão Preto, por outro, sua gestão ignorou dois dispositivos previstos há oito anos para planejar o transporte cicloviário.

Em vigor desde outubro de 2007, a lei que instituiu o Plano Viário - que planeja o desenvolvimento urbano - do município previa a criação do Programa Cicloviário de Ribeirão Preto (Procirp) “imediatamente”. Transcorreram um ano do governo Welson Gasparini (PSDB) e sete de Dárcy, e nada.
O Procirp teria o objetivo de captar recursos, inclusive junto à iniciativa privada, para as ciclovias.

Além disso, o Plano Viário afirmava que deveriam ser criados critérios definindo uma Zona de Ambientação Cicloviária (ZAC), que seria a área em torno de uma ciclovia. Pela lei, toda ZAC “deverá receber um tratamento específico quanto à sinalização, interseções e estacionamentos”.

Segundo a prefeitura, entretanto, apesar de 10,2 km de ciclovias terem sido construídos desde 2012, não há nenhuma ZAC. De acordo com a lei, a ZAC deveria ser criada “a partir de critérios técnicos quando da implantação de uma ciclovia”.

Além de ter inaugurado ciclovias na Via Norte (5,6 km), na avenida Henri Nestlé (1,6 km) e nas avenidas Dr. Ângelo de Genaro Gallo e Luiz Eduardo de Toledo Prado (3 km), a prefeitura quer inaugurar mais 30 km por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). As obras de mobilidade, que incluem ainda corredores de ônibus, viadutos e avenidas, estão orçadas em R$ 254,6 milhões.

A licitação, após ser paralisada pelo Tribunal de Contas, foi reaberta na última quarta-feira e a previsão é de que seja realizada em 27 de agosto. “Será um grande avanço para o município”, diz o secretário de Obras, Abranche Fuad Abdo. Ele diz que as obras do PAC irão contemplar, em grande parte, o que previa o Plano de Mobilidade e irão se integrar com o transporte coletivo.



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