Degradação do patrimônio público acende sinal de alerta

17/07/2018 08:44:00

Teatro de Arena, praça das Bandeiras, praça XV e Calçadão são exemplos de obras que precisam ser refeitas em Ribeirão Preto

Teatro de Arena sofre com o abandono e furtos (foto: Milena Aurea / A Cidade - 02.out.2017)
 
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Especialistas alertam: sem políticas de preservação, conscientização e incentivo ao uso, Ribeirão Preto não sairá do círculo vicioso dos últimos anos: recursos vultuosos bancam reformas de revitalização física de espaços públicos e patrimônios históricos, que depois acabam abandonados e degradados e, anos depois, voltam a ser reformados.  

Exemplo recente é o Teatro de Arena: reformado por R$ 1,2 milhão entre 2012 e 2013, está interditado desde meados de 2016 após ter sido alvo de furto de fiação. Nesse período, até um elevador foi roubado. Agora, será novamente revitalizado, utilizando R$ 770 mil de recursos federais as obras começam em 2019.  

Na Praça das Bandeiras, se não fosse a placa de inauguração com letras já desgastadas, os visitantes não cogitariam que o local foi revitalizado em 2009 ao custo de aproximadamente R$ 1 milhão. Um dos coretos está destruído após a queda de uma árvore há um ano e meio, os monumentos estão pichados e metade dos bancos foi vandalizada, com as madeiras arrancadas.  

Três quarteirões abaixo, o alerta está aceso para as praças Carlos Gomes e XV de Novembro, revitalizadas em 2015 por, segundo o edital de licitação, R$ 685 mil: os bancos ainda estão intactos, mas alguns deles afastam os frequentadores pelos dejetos de pombas comerciantes reclamam que a limpeza com jatos de água é rara. Em ambas, as pichações tomam conta do visual.  

Na praça XV, a prefeitura iniciou no mês passado a reforma dos sanitários, ao custo de R$ 87 mil, com previsão de conclusão em outubro.  

A reforma de dois anos atrás já previa alguns itens dos sanitários, como azulejo e pisos, mas segundo o Palácio Rio Branco não foram realizados na gestão passada por problemas no repasse da verba federal. A Acirp, porém, realizou obras de melhorias no banheiro em 2017.  

O calçadão passou pela novela de cinco anos de obras, que custaram R$ 9 milhões, e já tem o sinal de alerta acesso: tem lixeiras e bancos deteriorados, além de não ter passado por limpeza.  

"Todo projeto de revitalização, restauro, precisa vir atrelado ao uso. Falta, justamente, uma política de incentivo para a sociedade se apropriar desses espaços", afirma Adriana Silva, ex-secretária de Cultura e pesquisadora do IPCCIC (Instituto Paulista de Cidades Criativas).  

A arquiteta e urbanista Vera Migliorini reforça: "é preciso estimular o uso, gerar vida nesses locais", relembrando o subaproveitamento do Teatro de Arena nos últimos anos.  

Nova reforma  

O vereador e ex-secretário de Cultura Alessandro Maraca (MDB) lembra que, em 2014, primeiro ano após a reforma do Teatro de Arena, foram realizados 27 apresentações no local. "Um recorde", diz. A partir de 2016, veio o abandono e furtos. Segundo Maraca, após a nova reforma, o equipamento deve ser utilizado com frequência. "Quanto maior o desuso, maior a degradação", diz.   

Coreto da Praça das Bandeiras está semidestruído (foto: Weber Sian / A Cidade)

 
Coreto detonado  

Roberto Rivelino, 47 anos, garapeiro com ponto em frente à Praça das Bandeiras, lamenta. O coreto está semidestruído - uma árvore caiu há um ano e meio, sem que houvesse sequer a retirada dos entulhos. A maioria dos bancos está vandalizada. Na praça da Catedral, no quarteirão de cima, padre Chico reclama que há cinco outras árvores condenadas que precisam ser retiradas - a Prefeitura, diz, foi oficiada em abril. 

Outro lado  

Prefeitura aposta em parcerias e reforço da Guarda Municipal 

A Prefeitura informou que está "realizando estudos para revitalização das praças do Centro e em Bonfim Paulista". Em nota, lembrou que contratou 48 guardas municipais. "O intuito é reforçar a segurança nos próprios públicos, inclusive nas praças", diz a nota, afirmando que são realizadas ações para também coibir o tráfico de entorpecentes nesses locais.  

"Para manutenção de praças e parques, a Prefeitura está promovendo o Programa Verde Cidade, em que oferece a oportunidade para as entidades da iniciativa privada e da sociedade civil organizada adotarem áreas verdes, parques, praças, rotatórias e canteiros centrais de avenidas, tendo como objetivo a implantação, preservação, recuperação, arborização e manutenção desses espaços", citando locais como o Parque Raya e a praça da Bike, na zona Sul.  

Bancos das praças sem condição de uso (foto: Weber Sian / A Cidade)

 
Inutilizados  

"Aqui não dá para sentar, né?", reclama o aposentado João Moreira, 69 anos. Ele aponta para alguns bancos da praça XV que estão sujos com dejetos de pombos. "Está assim há mais de um mês". Comerciantes e frequentadores elogiam a varrição das praças, mas pedem limpeza pesada, com hidrojateamento, com mais frequência. Reclamam, também, das pichações que se multiplicam no mobiliário urbano.  

Sanitários da praça XV (foto: Weber Sian / A Cidade)

 
Falta de banheiro químico  

Comerciantes reclamam que a Prefeitura não disponibilizou banheiros químicos enquanto os sanitários da praça XV são revitalizados. Em março, A Cidade mostrou que o município pagava R$ 18 mil por mês para uma empresa fazer a limpeza dos sanitários que, somados, tinham área de 35 m². Ela também fornecia produtos de higiene. A Prefeitura diz que, após a reforma, continuará com funcionários controlando a entrada. 

Adriana defende pertencimento  

"Não há sentimento de comunidade em Ribeirão Preto", constata a ex-secretária de Cultura, Adriana Silva. Ela diz que o município, acompanhando uma tendência nacional, não incentiva o "pertencimento" da população, ou seja: a conexão da sociedade com os espaços públicos. "Se o poder público revitaliza um espaço e não convida a sociedade para se apropriar desses espaços, ela não irá cuidar deles".  

Ela diz que o pertencimento é um processo, não ocorre de uma hora para outra. Mas precisa de um pontapé: "a Prefeitura deve ter diálogos mais próximos com as associações de bairro e ações educacionais". Segundo ela, se houvesse uma revitalização do uso do espaço, ele não necessitaria ser revitalizado fisicamente com frequência.

Rose Elaine ressalta diversidade  

A urbanista Rose Elaine Borges explica, citando arquitetos como Solá-Morales e Vilanova Artigas, que a "diversidade de usos e usuários no cotidiano das cidades é essencial para que o espaço público (ruas, praças, parques urbanos, etc) mantenha-se vivo, para que nos mantenhamos vivos". Apontando para a necessidade de ocupação desses locais, ela explica que "todo espaço realmente habitado traz a essência da noção de casa e, por isso, nos apropriamos dele". Ela provoca: "o que nós podemos fazer para preservar espaços tão importantes? A resposta, diz, "talvez passe exatamente pela conscientização de sua importância em nossas vidas".

Para Vera, reforma vai além do físico  

Pesquisadora de espaço urbano, Vera Migliorini alerta para a "maquiagem" dos locais públicos. "A recuperação não deve ser apenas por meio da reforma física, ela é principalmente social e econômica". Ela diz que, "quando a população enxerga o que é público como sendo nosso, e não da Prefeitura, abraça e valoriza esses espaços". Vera lembra que, embora a região central tenha boa movimentação ao longo dos dias úteis, nos finais de semana e à noite fica pouco movimentada. É justamente nesses horários em que ocorrem os atos de vandalismo e degradação. "Por isso, é necessário movimentar o Centro. Ter estímulo para a população frequentar à noite, gerar mais vida no lugar".   

Calçadão de Ribeirão Preto sem limpeza (foto: Weber Sian / A Cidade)

 
Calçadão sem limpeza

A novela do calçadão, iniciada em 2012 com a retirada da fiação e que de 2013 a 2017 teve a troca do piso ao custo de R$ 9 milhões, entrou em um novo capítulo: o da necessidade de preservação. Parte das lixeiras já foi vandalizada, o chão está repleto de chicletes grudados e o local, até agora, não passou pela limpeza pós-obra, com a impermeabilização do piso.  

Essa limpeza estava prevista no edital de licitação, ao custo de R$ 16,8 mil R$ 23,5 mil em valores corrigidos pela inflação e a impermeabilização embutida nos custos do piso, que, conforme o contrato, receberiam "três demãos de impermeabilizante ou resina para eliminação total da porosidade superficial do piso, evitando-se a incrustação de sujeira".  

Mesmo assim, a Prefeitura deu o aceite da obra em 21 de janeiro de 2018. Em entrevista ao A Cidade no ano passado, o ex-secretário de Obras da Prefeitura, Abranche Abdo, afirmou que a limpeza e impermeabilização foi, posteriormente, retirada do contrato.  

"Do projeto inicial, vários aspectos não foram implantados e o calçadão ainda não recebeu sua finalização, que seria a limpeza do piso e sua impermeabilização. Desgosta a todos os ribeirão-pretanos ver o estado de abandono que essa região da cidade enfrenta, pois mesmo sua zeladoria é precária, com raras ações de limpeza e manutenção, sem falar da invasão ilegal do seu espaço por comerciantes ambulantes", reclamou, em nota, a Acirp.  

A Prefeitura diz que estuda a possibilidade de inserir a limpeza do calçadão no projeto de revitalização das praças centrais.
"Encontram-se em fase de estudos a atualização do regulamento do calçadão, assim como a possibilidade de parcerias para realização de serviços de limpeza e manutenção", afirmou o Palácio Rio Branco. 

Orçamento mirrado 0,7%  

Do orçamento de 2018 foi destinado à Secretaria da Cultura, a quarta mais "pobre" da Prefeitura. São R$ 14,6 milhões previstos para serem aplicados ao longo do ano - à frente apenas de Turismo, meio Ambiente e Esportes.




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